sábado, 9 de agosto de 2014

Transgênicos e Ebola: como salvar vidas aliando a melhor ciência à coragem

Recife, 08 de agosto de 2014

Esta semana que finda surgiu a surpreendente notícia do uso de uma soroterapia contra o vírus Ebola a partir de anticorpos monoclonais humanizados obtidos de... plantas de fumo transgênicas!

Sim, os dois pacientes que receberam os anticorpos estão aparentemente se recuperando. Não, o produto não foi aprovado pelo FDA e nunca tinha sido experimentado antes em seres humanos.

E agora, José? Frente ao imenso risco de morte representado pela infecção do vírus Ebola, o uso de anticorpos purificados de planta (e não de mielomas de camundongos) parece mesmo um risco ridiculamente pequeno.

Analisemos.

O que está sendo usado, a planta um produto dela? Evidentemente, apenas um derivado dela. E não apenas um derivado bruto, mas algo muito purificado, ainda mais puro do que álcool de usina ou óleo de cozinha. No Brasil, um produto destes nem passaria pela CTNBio (por ser uma substância pura – neste caso a mistura de dois anticorpos humanizados), mas seria virado pelo avesso pela ANVISA, o que está correto. A planta de tabaco, esta sim, teria que ter sido avaliada pela CTNBio. Mas lá nos EUA, como aqui ou em qualquer outra parte do mundo, as plantas que produzem fármacos são ou serão cultivadas sob rígido controle, ainda maior do que aquele das liberações planejadas de plantas para uso alimentar. Então, os riscos aos alvos de proteção (a biodiversidade) serão seguramente muito pequenos.

Voltemos ao risco dos anticorpos monoclonais: a planta transgênica produz muito mais anticorpos do que o mieloma, não emprega qualquer produto que possa comprometer a saúde humana e permite um grau de pureza muito maior. Ora, se anticorpos de mieloma já são usados em terapêutica, qual seria o problema dos anticorpos feitos por plantas transgênicas para nosso alvo de proteção (a saúde humana)? A conclusão é: muito provavelmente, nenhum.

Bom, mas há os riscos não antecipados, que estão sempre na ponta da língua de todos que se opõem a biotecnologia (inclusive dentro da ANVISA). Seguramente, pode haver riscos que não conhecemos, derivados de substâncias que copurificam com os anticorpos e que não foram detectadas pelos métodos usuais de controle de qualidade de anticorpos monoclonais. A probabilidade é baixíssima e o dano à pessoa poderia ser qualquer um, desde uma simples alergia até a morte imediata. Mas nada disso foi visto em primatas, que serviram de animais de experimentação! Então, pode-se considerar que os riscos seriam negligenciáveis. Aqui termina a avaliação de risco.

E se os pacientes não recebessem o tratamento, qual seria o risco? Com 90% de chance, uma morte muito rápida. Assim, frente aos enormes prejuízos derivados da não adoção da tecnologia, e considerando que os riscos de sua adoção foram considerados muito pequenos, é sábia a decisão do analista de risco em ir em frente e tratar os dois pacientes.


Esta história serve para desmascarar a ideia insensata de que a biotecnologia é coisa feita por vendidos às grandes empresas ou por lugares tenentes de Satanás querendo destruir a Natureza. Não é nada disso: é apenas mais uma tecnologia, como a comunicação por satélites, a aviação a jato, os fornos de micro-ondas ou a televisão a LED.