domingo, 16 de junho de 2013

Estômago e espírito de porco: milho transgênico causa inflamação no órgão suíno?

Car@s.

A Judy Carman, uma das mais ferrenhas ativistas anti-OGM da Austrália-N. Zelândia e coautora, junto com o Jack Heinemann e a brasileira Sarah Agapito, do artigo que "mostra" que todos os avaliadores de risco foram cegos ou vendidos em não ver os inevitáveis e sérios riscos dos siRNA, acaba de publicar um artigo em que “mostra” que milhos expressando proteínas inseticidas causam mais inflamação grave na mucosa do estômago de porcos do que o milho convencional.

O link para o artigo e os comentários sobre o artigo estão (em inglês) no site http://www.marklynas.org/2013/06/gmo-pigs-study-more-junk-science/#more-1227. O Mark Lynas destrincha o artigo e mostra todas as suas fraquezas.  O Wayne Parrott tem uma lista completa das réplicas a este artigo: http://parrottlab.uga.edu/ProfParrott/pigs2013.html 

Eu faço abaixo um pequeno comentário sobre o artigo, do meu ponto de vista. Espero que este péssimo artigo não se torne um Séralini II, a vingança, desta vez com porquinhos...  Os otários de plantão, na internet, já andam replicando a notícia como rolling circles virais, assim como os espíritos de porco pagos pela falsa defesa do ambiente. Na verdade, nós cientistas estamos fartos destes espíritos de porco que tratam a ciência como o excremento dos seus animais de experimentação.

Bom, vamos ao artigo: está tudo errado nele, a começar pelo controle. De um lado, se usa milho e soja GM, numa mistura de diferentes eventos, em diferentes variedades destes dois grãos, estocados em silos comerciais gigantes, como costuma ser nos EUA. Do outro se usam grãos não GM e nada se diz sobre suas variedades, apenas que continha traços de grãos GM, o que é natural.

Os autores fizeram análises composicionais do grão e do alimento formulado, mas os resultados não estão mostrados. Assim, é impossível saber se as inevitáveis pequenas diferenças eram, de fato, pequenas. Além disso, os únicos contaminantes detectados (apenas nos grãos GM) foram aflatoxinas. Que outros contaminantes foram avaliados não está dito, apenas que não acharam mais nada. Ora, há uma série de produtos que poderiam estar ligados a inflamação  e que poderiam e deveriam ser testados, uma vez que as condições de estoque dos grãos GM X não GM devem ser muito diferentes, dado o volume de ração GM X não-GM.

Inflamação: os autores encontraram mais inflamações graves do estômago (23 animais) entre os porcos que comeram ração GM do que os controles (9 animais), o que é uma diferença importante, O engraçado é que isto não interferiu em nada no ganho de peso e em todos os demais parâmetros avaliados. Por que será? E, o pior, se somarmos todas as inflamações, os porcos alimentados com ração convencional são MAIS AFETADOS! E aí?

Útero: houve uma importante diferença no peso médio do órgão, sendo maior 25% nas porcas que comeram ração GM. Aparentemente, havia mais fluido neles. Por que será?

Os autores tentam uma explicação para explicar a inflamação com base em artigos discutíveis que "mostram" efeitos das proteínas Cry em tecidos e órgãos de mamíferos. No parágrafo dedicado a isso na discussão juntam alhos com bugalhos, mas não são capazes de pesar em uma explicação que não envolva as proteínas Cry. Afinal, as rações foram formuladas com grãos estocados em condições diversas, provenientes de variedades de milho diversas, e isso pode ter sido muito bem a causa. Os autores também não discutem como, depois de 10 anos alimentando porcos com ração formulada com grãos GM, a pecuária americana nunca reportou um achado semelhante...

Não há qualquer tentativa de explicar o aumento do peso do útero pelas proteínas Cry ou por qualquer outro mecanismo. Também não se comenta como, após os mesmos 10 anos de suinocultura norte-americana usando ração GM estes problemas nçao acabaram sendo descobertos. A explicação de que a avaliação dos órgãos é sempre superficial e em geral feita pelo lado de fora dos órgãos, e que a bioquímica do sangue é pouco indicativa é conversa fiada, porque as universidades americanas viram estes porcos pelo avesso, junto com as indústrias, sempre em busca daquele percentual a mais de produtividade que fará do suinocultor um vencedor.

Enfim, sem controle de outros elementos na ração que poderiam estar presentes na forma GM e não na convencional, provavelmente derivados do estoque (silagem) e de muitas outras fontes, o trabalho não mostra NADA em relação às proteínas Cry ou a epsps.

Para finalizar, a revista: é comprometida, da primeira à última linha, com a causa dos orgânicos e com a oposição aos OGMs. Onde está a propalada independência da turma do contra, que joga pedra em todos nós?

Paulo Andrade

Departamento de Genética/ UFPE
fonte da imagem: classicosarcasmo.blogspot.com 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Transgênicos, banimento francês do milho GM e o pedagogo Paulo Freire: lições de avaliação de risco e compromisso do profissional com a sociedade

Marcel Kuntz, John Davison e Agnès Ricroch publicaram um ensaio longo sobre as implicações do banimento do milho MON810 pelo governo francês sobre o processo de avaliação de risco (http://www.nature.com/nbt/journal/v31/n6/full/nbt.2613.html?WT.ec_id=NBT-201306). É uma leitura fundamental para todos os membros da CTNBio e para todos aqueles interessados em avaliação de risco. Além do texto impresso, há ainda links para suplementos online, que também precisam ser lidos. O conjunto é impressionante. Aos que já militam na CTNBio há mais de dois anos será possível lembrar que fizemos uma réplica, ponto a ponto, da maior parte dos argumentos trazidos pelo Governo Frances e apresentados aqui por ocasião das nossas discussões sobre os riscos dos milhos Bt. Mantidas as proporções, a velha réplica rebate os mesmos pontos que esta, recém-publicada. Os autores, então, afirmam que “O documento de medidas emergenciais da França não apenas é vazio em novas evidências científicas, como também distorce e falseia citações e interpretações de artigos científicos autênticos, incluindo os do painel de OGM da EFSA. Outros artigos científicos (pelo menos 8 desde 2008) relevantes ao assunto e trazendo uma visão distinta foram ignorados”. Foi também esta a nossa afirmação ao fim da leitura da longa réplica ao texto contrário à liberação comercial do milho Bt.
Independentemente da leitura que se possa fazer do documento e seus suplementos, o parágrafo final merece consideração especial:
Pode-se perguntar porque, transcorrido mais de um ano desta distorção da capacidade de análise científica, como mostra o conteúdo do documento de medidas emergenciais, isto não provocou uma crítica ampla. Claro que é improvável que a crítica venha do novo governo francês, que segue a mesma política anti-OGM que lhe traz dividendos políticos. Nós propomos que o silêncio da mídia e das instituições científicas é atribuível, pelo menos em parte, à ideologia difusa, contemporânea, pós-moderna e relativista que defende ser a ciência uma “construção social”, um “enquadramento” particular da verdade e, ao fim, apenas uma opinião, não necessariamente melhor do que qualquer outra. Num tal contexto, aqueles que insistirem numa verdade científica fatalmente terão que encarar a acusação de “positivismo” ou “cientificismo” (ou reducionismo, como ouvimos frequentemente na CTNBio.Nota do autor). Esta é a grande contradição da política da União Europeia, que simultaneamente defende uma abordagem “baseada em ciência” e, ao mesmo tempo, abraça um enfoque pós-moderno que nega à ciência a capacidade de abordar verdades objetivas”.
Aqui surge um elemento fundamental: a imposição de uma nova concepção de ciência, aquela em que o fato científico (cuidado, fato é muito diferente de resultado ou observação) e a própria ciência e seu método, não podem ser olhados apenas do ponto de vista estrito dos cientistas, mas devem ser conceitos elaborados pelas diferentes visões sociais, num contexto holístico. Será mesmo assim?
O maior pedagogo que já tivemos, Paulo Freire, nordestino e professor da mesma universidade federal onde milito (a UFPE), escreveu em seu excelente livro, Educação e Mudança, falando do compromisso do profissional com a sociedade:
Na medida em que o compromisso não pode ser um ato passivo, mas práxis – ação e reflexão sobre a realidade – inserção nela, ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade. Se o compromisso só é válido quando está carregado de humanismo, este, por sua vez, só é válido quando está fundado cientificamente”.  
Paulo Freire avança na argumentação dizendo que o profissional com compromisso deve ter uma visão que se vai ampliando e deve buscar uma transformação do todo, e não das partes. Isso é bem claro se considerarmos que todos os profissionais devem ter um compromisso com seu povo. Mas a possibilidade da transformação do todo passa por muitas instâncias e muitos atores e é esta articulação de atores que o profissional deve buscar e nela engajar-se. É, contudo, irreal acreditar que dentro de cada ambiente profissional se possa trabalhar pela mudança de um todo social e tentar fazê-lo contradiz o papel técnico do profissional. Aqui aparece uma pretensa oposição entre humanismo (na concepção freiriana, mais ampla) e tecnologia. É novamente o próprio Paulo Freire que nos diz:
O erro desta concepção (a de que o humanismo retarda as soluções técnicas) é tão nefasto como o erro da sua contrária – a falsa concepção do humanismo – que vê na tecnologia a razão dos males do homem moderno. E o erro básico de ambas, que não podem oferecer a seus adeptos nenhuma forma real de compromisso, está em que, perdendo elas a dimensão da totalidade, não percebem o óbvio: que humanismo e tecnologia não se excluem. Não percebem que o primeiro implica a segunda e vice versa”.
A leitura do parágrafo acima nos mostra claramente que humanismo e ciência caminham lado a lado, mas que um não determina o outro. Onde então o profissional que tem compromisso com seu povo dá vazão ao seu humanismo, se ele atua na CTNBio? A questão, aqui, não é impor ao fórum de discussão as questões levantadas pela visão humanista, uma vez que o fórum é científico. A visão humanista entra na concepção da própria forma de trabalhar, no compromisso do profissional com a verdade e com a missão que lhe foi atribuída. E, naturalmente, o compromisso se estende à atuação nas demais instâncias sociais: nas escolas, na política, na atividade nos vários fronts sociais.

Baseado em seu humanismo, o profissional em avaliação de riscos deve estar pronto a alertar o público sobre as conclusões dos trabalhos de seu grupo e pode até se antepor publicamente às conclusões; mas não deve fazê-lo com argumentos fora da ciência, falseados ou de alguma forma desvirtuados, como fez o grupo anônimo que redigiu o documento francês. É justamente seu compromisso como profissional com a sociedade que o leva à busca da verdade, combatendo com as armas válidas em cada fórum. É também seu dever servir como guia especialista ao povo, que não detém o conhecimento indispensável à conclusão acertada. Mentir para o público é faltar com seu compromisso, violando ao mesmo tampo o humanismo e a ciência embutidos na sua atuação profissional.  Assim, o que nos diz Paulo Freire será concretizado: que humanismo e tecnologia não se excluem. 
Paulo Andrade, Depto. Genética, UFPE
10/06/2013

domingo, 9 de junho de 2013

Failure to demonstrate any harm from Cry proteins on mice: comments on Mezzomo et al., 2013

The B. thuringiensis spore crystal (source: reference at the end of the post)

Bélin Mezzomo and collaborators from the Department of Genetics and Morphology, Institute of Biological Sciences, University of Brasilia, Brasilia/DF, Brazil, have recently published a paper entitled “Hematotoxicity of Bacillus thuringiensis as Spore-crystal Strains Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1Ac or Cry2Aa in Swiss Albino Mice”.  The paper lacks important controls and uses very large spore concentrations in a force-feeding experiment using mice. Some comments on the paper can be found below, as well as a link to the paper:http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1049964409000863

Initial comment
The paper is biased against modern agriculture, in general, as can be easily grasped from the first sentence of the introduction. And, as in an omen, in this very first paragraph the authors come to wrong conclusions that can´t be taken from what they have just commented. This is the global strategy of the paper: the results from the paper may be correct, but the authors’ conclusions are wrong. Indeed, due to a poor experimental design, most of their conclusions can´t be sustained by their results, alone or in combination to other results from the papers cited in the references.

Some comments on the methodology
Bt spores are widely used in agriculture. But they are not genetically modified to produce toxins. The recombinant proteins are produced by GM plants. Therefore, there is no reason to assay GM Bt spores as alias to GM plants.  

The language used in the paper is not clear. The authors claimed to have used spore-crystals. This is not the same as having used purified Cry proteins: to the best of our knowledge, the spore-crystals mentioned here are indeed lyophilized spores for Cry-producing Bt strains, as described in the first paragraph of the Methodology section.

Moreover, the spores have a much higher concentration of toxins that any commercial GM plants and the authors employed unusually high doses in their assays; indeed, doses just above the threshold of 270 mg/kg, used in the assays, showed signs of toxicity and lead to the death of mice, as admitted by the authors themselves; additionally, the BT proteins in these assays are found mixed with all other proteins and molecules, specially peptidoglycans,  forming the spore. Therefore, the assays neither use the right range of toxin concentrations nor rigorously test the toxin, but a complex mixture of different molecules. Finally, at least as food, transgenic grains are cooked. As a conclusion, the results do not allow to extend the results to food safety for human beings.

Surprisingly, the authors do not have a fundamental control: a spore not expressing a toxin or expressing an unrelated toxin. The only controls were water (negative) and cyclophosphamide (positive). The lack of this third control prevents any conclusion on the true effect of the toxins on the animals, since all other spore molecular components could also affect the mice in such unusual high concentration as those directly applied to the digestive system in these ill-designed assays. The authors should be aware that peptidoglycans, a major component of bacterial spores, can be toxic form mammals, as can be seen in any toxicology textbook.

Some comments on the methodology

The hematological effects of the spores are displayed as if they were caused by the proteins but, as commented above, in the absence of a control on all other spore components, it is not possible to attribute a causative relation specifically to Cry proteins.

The table format used to present the hematological effects is confusing. Graphs should be used, instead. A dose-effect is not clear for most spores, either used alone or in combination. The experiments done with the very high dose of 270 mg/kg are misleading, as they are very close to a possible LD50, not informed in the paper for any of the spores used by the authors.

The same remarks are valid for all other tabular results displayed in tables 2 to 4. Table 5 has the micronucleus results for just the two highest doses, without standard deviation values. Results for the controls are also missing. As commented, these doses are far too high to be of any use in a toxicological study.

Comments of the Discussion

The results are discussed as if they really showed that the proteins themselves, and not the spores, were the causative agents of the observed hematological or micronucleus change, what is not correct.  It is not reasonable to use spores instead of pure proteins, since those are readily available in the market.

The lack of clear dose-effect curves, hidden in the inconvenient presentation of all results in tabular form, preclude a conclusion on the toxicity for the smaller doses. The unusual high doses employed here preclude any extension of the results obtained here for the real world, where the doses are orders of magnitude lower.  Moreover, food is prepared from cooked GM grains, which denature proteins.


As a final remark, neither the authors nor anyone else can derive safety conclusions from these results and the maximum the authors advance is the need for new  and hopefully better conducted experiments.


(Paulo Andrade, Dept. Genetics, fed. Univ. Pernambuco, Brasil)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Enquanto dormimos em berço esplendido... Ervas e rosas transgênicas fantasmagóricas

A turma da biologia sintética, em geral muito jovem e livre das vinculações com os gigantes da biotecnologia, está ensaiando os primeiros circuitos genéticos sintéticos em organismos que serão comercializados. Começaram pela planta Arabidopsis thaliana, que na versão “sintética” deve brilhar fracamente no escuro (http://www.nature.com/news/glowing-plants-spark-debate-1.13131?WT.ec_id=NATURE-20130606). Pessoalmente acho meio fantasmagórico, mas tem um monte de gente querendo uma assim e estão financiando o projeto, que arrecadou muito mais do que precisava. Por isso vão também desenvolver uma rosa que brilha no escuro. Esta, para mim, vai vender demais no além túmulo...

Imagem de uma planta de tabaco brilhando no escuro (fonte: link da Nature acima)


E a biossegurança? Como estão discutindo isso? Porque a proeza não assusta os reguladores? Depois eu conto.