sexta-feira, 22 de março de 2013

Transgênicos, pragas secundárias e refúgios: quem é o culpado pelas perdas no algodão?


Vários sites que trazem informações sempre negativas sobre as plantas transgênicas agora procuram mostrar que a presença aumentada de uma praga agrícola de algodão, originalmente secundária, seria causada pela adoção do milho transgênico resistente a ela.

Nos comentários abaixo, avalio a veracidade desta afirmação. Para uma leitura muito mais fundamentada e rica em informações, sugerimos o artigo intitulado Lavoura Furada, do pesquisador da Embrapa e também membro da CTNBio Fernando Valicente. O link está abaixo


Revista Agro DBO - Ed 42 - março/2013

issuu.com/eriklm/docs/ed_agro_42  

Também sugerimos a leitura de uma recente notícia informando que a praga que ataca o algodão e outras culturas no Oeste de Bahia não é a Helicoverpa zea, e sim uma espécie exótica, a Helicoverpa armigera, que pode ter chegado através da importação de flores. A descoberta é da EMBRAPA. O link está abaixo:
http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=90493


A Helicoverpa zea é uma praga de milho, mas também ataca muitas outras culturas. Vários milhos geneticamente modificados são tóxicos para esta praga. Quando o agricultor adota qualquer uma destas variedades, deve reservar uma parcela de sua plantação para semear milho convencional, para evitar ou pelo menos retardar  o aparecimento de insetos resistentes. Esta abordagem de manejo chama-se refúgio. Se isso não é feito, mutantes de Helicoverpa podem cruzar entre si e produzir gerações resistentes, que serão um problema para o agricultor. O surgimento de pragas resistentes ou tolerantes aos agentes que são empregados usualmente no seu controle (sejam estas pragas insetos ou ervas daninhas) não é um problema de biossegurança, e a CTNBio não tem que se meter nesta área, que é de atribuição exclusiva do MAPA.  

Naturalmente, o agricultor muitas vezes não quer perder nada de sua safra e não planta o refúgio. Isso pode levar, como está levando, ao surgimento de lagartas resistentes ao Bt. Mas o aparecimento de lagartas da espécie H. zea nas plantações de algodão pode ter outras causas, além desta. É incorreto e, na verdade, reflete apenas desinformação, preconceito e uma ideologia míope, achar que são os milhos transgênicos que são culpados por isso. Pragas secundárias (a H. zea ataca o algodão, sim) podem-se tornar pragas primárias por uma multiplicidade de razões, por vezes ocorrendo juntas, e as declarações infelizes trazidas como reportagem pelos sites que lutam contra os transgênicos não esclarecem nada.

Sob a luz do que foi dito acima, pode-se agora reler a afirmação que inicia a postagem nos vários sites (que só fazem copiar uns aos outros). Lá se diz que:
 “São efeitos previstos para os quais foram feitos alertas insistentes e fundamentados dentro e fora da CTNBio. Como manda a lógica mercantil e não a da ciência independente nem a da precaução, os prejuízos se multiplicam. Quem assumirá o prejuízo? Não é possível culpabilizar (sic) o produtor”.

O aparecimento de resistência ou a tomada de nicho ecológico por conversão de praga secundária em primária e muitos outros eventos ligados à resistência/tolerância aos agentes de controle não tem nada de imprevisto! Não foi a oposição aos transgênicos, paladino  da verdade, que trouxe este problema à CTNBio: todos lá já sabiam. Acontece que a CTNBio não é o fórum para esta discussão, pois ela por lei  se atém à AVALIAÇÃO DE RISCO do OGM. A questão da resistência é da alçada do MAPA que conhece, evidentemente, muito bem o problema e toma as providências necessárias.

Pode-se chamar de lógica mercantil dar ao mercado a oportunidade de avaliar as vantagens que uma tecnologia oferece, com seus riscos. Mas isso não se antepõe à ciência e ao princípio da precaução! Para isso a biossegurança é previamente avaliada e a adequação do produto ao seu fim atestada pelos órgãos de fiscalização e controle. Toda tecnologia tem riscos e o mercado e as leis do país regem isso. Não é preciso que os arautos da verdade venham colocar o dedo no nariz do regulador, do fiscalizador e do agricultor e dizer que a ciência independente prova o contrário e que o princípio da precaução diz que se rejeite a tecnologia.

Resta-se saber de quem é a “culpa” do aparecimento de algo que se sabe que, cedo ou tarde, vai aparecer. E, mais importante, resta avaliar a extensão do prejuízo: dito pela boca de quem perdeu dinheiro, será sempre um grande prejuízo, mas isso é prá lá de tendencioso. Mas a perda relatada não é no Brasil todo, só no Oeste da Bahia. E, ainda que seja grave, não passará de 4%.  Evidentemente, a seca e outros fatores ligados às culturas locais, aos solos e às práticas agrícolas determinam este aparecimento de forma MUITO MAIS IMPORTANTE que os transgênicos. A maneira correta de se posicionar sobre isso é aguardar que o MAPA avalie a questão, junto com as associações de produtores agrícolas e com os produtores de sementes. Antes disso, é tudo uma cacofonia com pouco sentido, embora sirva como alerta.

2 comentários:

  1. A descoberta da Helicoverpa armigera não foi feita pela embrapa, e sim por professores e colaboradores da Universidade Federal de Goiás. A justiça será feita!

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  2. Caro leitor, modifiquei o texto para reconhecer a participação dos professores e colaboradores da UFGO, mesmos em verificar a veracidade da afirmação. Por nossa conta e risco.

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