Ao contrário do que parte da mídia
anunciou, e do que repetiram à exaustão muitas ONGs e um grupo de vozes da
Europa, o documento final da Rio +20 (“O futuro que queremos”, 53 páginas na
versão em inglês, disponível em várias línguas em http://www.uncsd2012.org/thefuturewewant.html)
está muito equilibrado. Certamente foi uma
negociação muito difícil e polarizada e um consenso mínimo parecia impossível
de ser alcançado. Não fosse a mão firme brasileira, com ênfase na atuação
exemplar do Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, a Rio +20 poderia ter
terminado numa nova Reunião de Copenhague.
Na verdade, a afirmação de que o documento final é "pouco
ambicioso" é em grande parte hipocrisia dos setores ambientalistas europeus,
que as ONGs em compraram - como costumam fazer ... Claro que do
ponto de vista estritamente ambiental poderíamos ter mais compromissos, talvez
mais restrições, mas o resultado de uma negociação multilateral é sempre um
compromisso que atenda a todos: tem de haver consenso, o máximo denominador
comum. Isso foi muito difícil de obter, porque, entre outras razões, os países ricos não querem pagar
a conta por nada, obviamente.
Com muita habilidade, o Brasil lançou
vários processos necessários, que estão contemplados ao longo do documento e
mais especificamente nos itens IV e V. Assim, a luta continua, mas num
ambiente consensual. Enfim, conseguimos não retroceder, mesmo em
cenário absolutamente adverso (diferentemente da Rio 92) e ainda avançar no
compromisso mundial com a erradicação da pobreza, bem como lançar processos
negociadores sobre meios de implementação, objetivos do desenvolvimento
sustentável e a criação de áreas protegidas nas ABNJ (Areas beyond national
jurisdiction).
Naturalmente, a forma de negociação
na Rio +20 foi muito diferente daquela da Rio 92: os acordos assinados na Rio 92
não foram negociados ali, foram de fato o fim de um processo bastante longo de
negociação. Agora, não havia um processo em curso, as tentativas preliminares foram mal sucedidas.
A ideia era lançar as propostas na Rio +20, uma ideia audaciosa, mas quase inevitável. Claro que nossa imprensa de uma
forma muito generalizada não entendeu isso e criticou duramente todo o processo
e o documento final. Não há nada novo aí, bastar ver as manchetes ao
final da Rio 92, todos falava mal. E agora elogiam... não nada de novo sob o sol.
Boa
parte das críticas proveio de uma incompreensão da posição particular do Brasil
neste momento. Tínhamos a posição delicada
de ter, ao mesmo tempo, uma delegação de país ativo nesses assuntos (tanto como
defensor do meio ambiente como grande produtor de commodities agrícolas) e a presidência
da conferência. Havia muita pressão, de todos os lados, para que o Brasil
adotasse posições firmes, inclusive de dentro do país. Parte das críticas é
também fruto da falta de entendimento de que o Brasil negocia dentro do G77,
que é um grupo muito forte (afinal, são 132 países), mas que é também um grupo
muito heterogêneo. Mas havia também
uma questão estratégica aí: se fôssemos muito ativos, não teríamos a mesmo acesso
e diálogo com os diferentes grupos para, ao final, entregar "nosso
texto", isto é, um texto que expressava de fato, em grande parte, a posição
brasileira.
Quando
o Brasil assumiu a presidência, ao final da PrepCom (isto é, a partir de 16 de
junho de 2012), tinha a sua frente quase 2/3 do texto final em aberto. A
diplomacia brasileira fez as opções que julgou aceitáveis para todos os lados e
negociou apenas pequenos ajustes. Foi uma operação muito difícil, uma
verdadeira operação de guerra, para fechar o documento. Só quem acompanhou
o processo bem de perto pode aquilatar como a coisa foi feita e ter uma ideia
do que o Brasil fez para aprovar esse documento, mantendo todos a bordo.
Uma vez contada a história, contudo, a leitura do documento final “O Futuro que
queremos” vai ter certamente um novo sabor. Boa leitura crítica do documento para
todos!
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