quinta-feira, 30 de junho de 2016

Direitos humanos e transgênicos: quando a leitura de um texto não contribui em nada para a compreensão da questão

Recentemente a Terra de Direitos publicou um pequeno livro intitulado Justiça e Direitos Humanos: Olhares críticos sobre o Judiciário em 2015, que está disponível em http://www.jusdh.org.br/files/2016/06/Anu%C3%A1rio-Jusdh-internet.pdf . Um título assim estimula o leitor a baixar o pdf e ler com atenção. Mas a leitura é frustrante.

Logo na primeira página do ensaio (pg 20) os autores dizem que o Brasil mantém liberados transgênicos que foram banidos de outros países. Dá a impressão que o país é irresponsável e expõe sua população a riscos. Mas não é nada disso: todos as variedades de milho, soja e algodão transgênicas aprovadas aqui também o foram pela maior parte dos países do Mundo que analisaram a questão, e é por isso que podemos exportar para eles. Na Europa há países que, em desrespeito à decisão da União Europeia (respaldada na avaliação de risco de OGMs da EFSA), não permitem o cultivo de transgênicos, mas espertamente importam milhares de toneladas de milho e soja transgênicos para alimentar aves, porcos e ruminantes.

Ainda na mesma página, os autores do ensaio dizem que “ apesar das evidências dos malefícios”, os transgênicos continuam se expandindo. Acontece que todas as academias de ciência do Mundo que já se pronunciaram sobre a segurança dos OGMs, e todas as agências governamentais de risco de OGM, são unânimes em dizer que o consumo de alimentos formulados com os transgênicos é seguro e que eles não agridem o ambiente de forma diferente que as variedades não transgênicas. As “evidências “ são um pequeno conjunto de trabalhos científicos de metodologia extremamente deficiente e que procuram demostrar danos à saúde ou ao ambiente derivados dos OGMs. O consenso científico, numa maioria esmagadora de artigos, afirma a segurança dos OGMs.


Os autores classificam como retrocesso a aprovação de variedades de milho tolerantes a novos herbicidas, mostrando que desconhecem a importância do rodízio de tecnologias na manutenção das inovações no campo e na redução de custos e de impactos ambientais maiores. Também consideram um retrocesso a aprovação do eucalipto transgênico para crescimento mais rápido, inteiramente desenvolvido no Brasil, demonstrando também que não compreenderam a avaliação de risco deste cultivar e as vantagens econômicas e ambientais de seu uso.

Também discutem a questão da rotulagem, que perde o sentido quando a ciência em peso diz que os produtos transgênicos no mercado são seguros e que a experiência assim o demonstra: em 20 anos de consumo por gente e animais, não houve um único relato de problema associado, comprovado pelos órgãos de saúde ou do ambiente. O brasileiro, na verdade, pouco se importa se o produto é transgênico ou não, exceto um pequeníssimo grupo que, por ser barulhento, parece maior do que é.

No início da página 22 os autores afirmam que as empresas “transnacionais” que desenvolveram sementes transgênicas impuseram a tecnologia ao agricultor. Mas não é nada disso: o agricultor adotou a tecnologia pelas suas vantagens, do mesmo jeito que hoje todos temos celulares e quem não é analfabeto tem smartphones. Ninguém impôs, é uma decisão do consumidor comprar ou não. Hoje fica difícil comprar semente de milho e soja não transgênica em grande escala, mas os poucos agricultores que decidiram permanecer convencionais têm sementes de boa qualidade de produtores privados e da EMBRAPA.

Na mesma página os autores citam a Vandana Shiva, uma física que levantou a bandeira do movimento anti-biotecnologia agrícola, mas que - dizem - cobra 10.000 dólares por uma palestra e só viaja em classe executiva. Segundo ela, só haveria sustentabilidade na agricultura com o fim dos transgênicos. Mas nem no texto nem em canto algum a Vandana demonstrou isso: são apenas palavras de ordem, repetidas sem nenhum fundamento na agronomia ou na ciência.

Já o caso da Syngenta  (a morte de um membro da Via Campesina numa invasão a empresa) é discutido ao longo de várias páginas, mas sempre com um viés tão forte que não dá para entender como os juízes negaram os pedidos da Via Campesina. A questão é complexa e deve ser avaliada por juristas: como avaliador de riscos não quero me manifestar. Entretanto, a história não muda em nada as conclusões de biossegurança alcançadas aqui e no resto do Mundo pelas agências governamentais de risco.

Na conclusão do livro da Terra de Direitos percebe-se, finalmente, que o texto é apenas um ataque à Syngenta e nada tem a ver, de verdade, com uma discussão série de riscos dos OGMs.