terça-feira, 24 de setembro de 2013

Debate sobre Alimentos Transgênicos: Prós e contras nas avaliações dos professores Paulo Andrade e Rubens Nodari

No dia 12 de setembro tive a oportunidade de oferecer um mini-curso de 4 hs sobre avaliação de risco e depois participar de um debate com o Prof. Rubens Onofre Nodari sobre a biossegurança de transgênicos. A oportunidade foi aberta pelos alunos que organizaram a IV Semana Acadêmica de Ciências Rurais (http://sacr.curitibanos.ufsc.br/) em 2013, no campus da UFSC em Curitibanos (http://curitibanos.ufsc.br/ ). Agradeço  a eles, de coração, todo o apoio que me deram.

No mini-curso segui essencialmente o que está na página do GenPeace em http://genpeace.blogspot.com.br/2013/09/guia-para-avaliacao-do-risco-ambiental_687.html . Creio que foi proveitoso. Havia um público impressionante de mais de 100 participantes. Os slides estão disponíveis em https://www.dropbox.com/s/7k0v7q5dr802v1g/Mini-curso%20SACR2013-%20biosseguran%C3%A7a%20de%20plantas%20transg%C3%AAnicas%20-%20Partes%201%202%20e%203%20.pdf.

O debate sobre transgênicos (http://sacr.curitibanos.ufsc.br/?page_id=160), iniciado à tarde, foi concorridíssimo, com mais de 200 pessoas vendo a apresentação do Prof. Nodari, seguida da minha.  Depois de uma pequena pausa o público encolheu um pouco, mas beirou os 80 quase até o fim das perguntas e respostas.

O Prof. Nodari seguiu o caminho que toma habitualmente nestas apresentações. Os slides da apresentação ainda não estão disponíveis, mas  há outras apresentações online dele que são parecidas; uma delas é a do link http://www.redes.org.uy/wp-content/uploads/2013/07/Participacion_ciudadana.pdf. Em lugar de se concentrar nos aspectos biológicos de risco, isto é, na avaliação de risco, o Dr. Nodari apresentou uma série de aspectos econômicos e sociais da tecnologia que não fazem parte da avaliação de risco e, sim, da análise de risco. Falou também da distorção que a CTNBio e todas as outras agências de avaliação de risco mostram no seu trabalho de avaliar os OGM e sugeriu que isto seja devido à forte pressão do econômico sobre o científico. Estes temas podem ser relevantes, mas são aspectos muito controversos, têm um viés ideológico muito forte e não se prestam para um debate onde sentam professores de genética (ele e eu, veja nossos CV em http://lattes.cnpq.br/1871521544483113 e http://lattes.cnpq.br/5792312135796017 ), ao invés de economistas, psicólogos ou sociólogos. Por isso, sistematicamente fugi destes temas, procurando trazer a discussão aos aspectos de risco dos OGM, tanto em minha apresentação (https://www.dropbox.com/s/wf4rt5uvoxlhrjb/Debate%20com%20Nodari.pdf) como nas respostas às perguntas do público.


Muitas perguntas foram feitas, respondidas inicialmente pelo Prof. Nodari e depois por mim. Não houve qualquer pergunta nova, o que foi discutido é o que já vem sendo debatido no Brasil e no Mundo (http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/biosseguranca-de-transgenicos-polemicas.html). Isso, naturalmente, é o esperado, e é bom que assim seja, pois demonstra que estas questões não estão resolvidas na cabeça do público. A oportunidade de mostrar pontos de vista divergentes é sempre muito boa e isso valoriza o debate, mesmo que acabe criando ainda mais dúvidas (coisa que os dois debatedores ressaltaram como positivo).

Do ponto de vista de biossegurança o debate se concentrou mais em dois aspectos gerais: o milho crioulo e a segurança alimentar dos OGM em geral. Houve outras perguntas sobre riscos biológicos relacionados à tecnologia (por exemplo, a questão dos agrotóxicos) e, em um caso isolado, eu comentei algo sobre o tema, uma vez que ele não se atém diretamente à questões dos riscos dos OGM per se. A concentração das perguntas nestes dois temas principais era também esperada: o milho é a cultura de sobrevivência por excelência e a questão de inocuidade alimentar é realmente transversal.

Uma das perguntas foi sobre um possível impacto negativo dos transgenes no milho crioulo. Procurei fazer ver ao público que a presença dos transgenes, em si, não é um problema para a biodiversidade (afinal, é um gene a mais...), mas a entrada de milhares de alelos melhorados provenientes das variedades e híbridos modernos, geneticamente muito mais homogêneos que os crioulos, isto sim, pode ser um problema, por reduzir a diversidade dos milhos crioulos.  Contudo, os agricultores souberam preservar suas linhagens durante mais de 50 anos de convívio com os milhos modernos, Também deixei claro que o milho não é nativo do Brasil e que nós não somos sequer centro secundário de diversidade e esclareci que a diversidade dos anos 50 está preservada no banco de germoplasma do Cenargen. Numa segunda pergunta sobre o mesmo tema também expliquei que mesmo num centro de origem o milho não é uma planta silvestre, ele só se propaga pela mão do homem; expliquei também que o parente silvestre do milho é o teosinte, mas que não há qualquer evidência de introgressão de transgenes em populações de teosinte. Neste instante o Prof. Nodari se levantou, colocou na tela dois slides para mostrar fluxo gênico e, de certa forma, tentar contrariar minha informação. E o que vimos?

O primeiro slide foi sobre um artigo que mostra a presença de transgenes em canola feral (atenção, não tem nada a ver com silvestre). O artigo é este aqui: Schafer et al. (2011)- The Establishment of Genetically Engineered Canola Populations in the U.S. PLoS ONE  6 (10): | e25736, 2011, disponível em http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025736.
O artigo só avalia canola em beira de estrada: a presença de transgenes nestas plantas pioneiras ou escapes (ou, com bastante mais de liberdade de acepção, ferais) pode ser em parte devida à dispersão de sementes + posterior cruzamento, mas nada tem a ver com fluxo para parentes silvestres!  Tudo o que se mostra e se discute no artigo é só de Brassica napus para B. napus,  tudo muito provavelmente originado de escapes de transporte e outros mecanismos de dispersão das variedades cultivadas. Deixei claro depois da apresentação dele que eu conhecia bem o artigo e que o meu assunto era outro: passagem de genes para espécies silvestres, não para domésticas ferais!

Lendo posteriormente o artigo, o que interessa dele nesta discussão específica é apenas isso:
Populations of transgenic canola were denser along major transport routes, at construction sites and in regions of intense canola cultivation (Fig. 1). At a finer scale, feral populations appeared denser at junctions between major roadways, access points to crop fields and bridges, and intersections of roadways with railway crossings. At these sites, seed spill during transport is a likely mechanism for the escape of transgenic canola. Nonetheless, feral B. napus plants were occasionally found at remote locations far from canola production, transportation, or processing facilities. Populations were also observed at roadsides that had recently been mowed or treated with herbicide. Although our sampling protocol stipulated that a single plant be tested at each collection site, multiple sampling of additional plants revealed a mix of both herbicide resistant phenotypes, or a mix of herbicide resistant and vulnerable phenotypes in all randomly-tested large populations.”

A gente vê logo que não são populações silvestres, como quiz fazer entender o Prof. Nodari em suas argumentações distribuídas na internet  e repetidas no debate em Curitibanos, mas populações ferais, isto é, plantas comerciais que escapam do campo e vão crescer em ambientes não agrícolas próximos. Neste caso, estão na imensa maioria das vezes na beira de estrada. Devemos nos lembrar que nos EUA se usa com frequência herbicidas em beira de estrada para limpeza. Geralmente são herbicidas de largo espectro e, claro, selecionam fortemente as variedades tolerantes que apareçam na beira da estrada. Assim, é um cenário inteiramente artificial, dependente da ação do homem. Não há qualquer evidência no artigo de que os espécimes coletados longe das estradas também carregam os transgenes, embora mesmo isso não fosse prova alguma de fluxo de pólen a longa distância e coisas assim. É muito mais provável a dispersão de sementes comerciais por pássaros ou outros dispersores e, de toda forma, não tem qualquer implicação nas populações que verdadeiramente interessam: as plantas silvestres sexualmente compatíveis com a canola. Comparar os resultados deste artigo com um possível fluxo de transgenes do milho GM para o teosinte é errôneo. Entendo que isto ocorra por um entusiasmo excessivo pela causa contra os transgênicos, o que é natural (e positivo) dos combatentes ambientais.

O outro slide que ele apresentou mostrava um artigo que segue pela mesma linha do anterior e é sobre arroz: Chen et al. (2004) - Gene Flow from Cultivated Rice (Oryza sativa) to its Weedy and Wild Relatives. An. Botany 93: 67 - 73. (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14602665). Eu também já conhecia este artigo, que não traz surpresas ao avaliador de risco e só pode causar alguma polêmica se apresentado como o Dr. Nodari o fez: como se o artigo mostrasse que na Natureza os transgenes escapam do arroz para espécies silvestres. Deixei claro depois da apresentação do Dr. Nodari que o artigo só mostrava fluxo de genes importante entre o arroz comercial e suas variedades consideradas daninhas (o arroz vermelho, o preto, etc.). Não há demonstração no artigo, nem referência na literatura, de que na Natureza os transgenes podem ser encontrados introgredidos no parente silvestre (Oryza rufipogon, no caso da Ásia), que é silvestre, até porque o arroz transgênico ainda não está liberado comercialmente em parte alguma do Globo. Nas condições muito particulares do experimento (todas as plantas a 50 cm de distância umas das outras) pode haver uma taxa muito baixa de cruzamento entre as duas espécies de arroz, mas isto em nada prova que os híbridos com O. rufipogon seriam minimamente competitivos em condições silvestres. Mais uma vez, a comparação entre o caso do arroz e o do milho é disparatada, embora mais semelhante que o caso da canola.

Dois outros temas foram trazidos à discussão.
a)         DNA dupla fita circulante e seu (im)possível impacto na saúde humana
b)        O caso dos ratos com tumor!

Nestes dois temas nossas opiniões foram frontalmente divergentes. Mas concordamos em outros pontos:
a)      A promessa tola de que os transgênicos vão acabar com a fome no Mundo.
b)      A questão da produtividade dos milhos crioulos: quem sabe disso são os especialistas neste tipo de milho, a CTNBio se manifestou num assunto que não é de seu domínio e errou.

Estes assuntos serão tratados numa próxima postagem. Quando estiver pronta trago os links para cá.


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