Os “Elementos para a discussão no CONSEA” elaborados por
Leonardo Melgarejo, membro da CTNBio, trazem informações relevantes, mas falham
na sistematização desta informação e refletem apenas a posição de quem é
claramente contra a biotecnologia agrícola. Por isso, o texto certamente irá
trazer mais confusão ao ambiente de discussão do que luzes. (link para o texto:
http://www4.planalto.gov.br/consea/noticias/imagens-1/melgarejo)
O problema central do texto é a falta de separação entre os
elementos da análise de risco dos OGMs (Figura 1) e, particularmente, das
plantas transgênicas que estão no mercado ou que dele se aproximam. A avaliação de risco é, em si, um processo
puramente científico, instruído por dados de biologia, genética, bioquímica,
etc. e visa classificar os riscos associados a um determinado uso de um OGM. Nesta
parte da análise de risco não cabem considerações socioeconômicas nem está em
discussão o problema central da comunicação de risco. Uma vez que um OGM tenha seu risco
devidamente classificado, as demais questões podem ser trazidas à discussão,
mas em nada invalidam a avaliação de risco anterior (veja-se o consenso internacional neste sentido em http://genpeace.blogspot.com.br/2012/04/os-tres-componentes-da-analise-de-risco.html). Assim, um OGM ser seguro
de acordo com a CTNBio, mas pode ser considerado inadequado para o país por
outras razões que não a de biossegurança. Estas considerações suplementares são tarefa do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e, em menor grau, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da ANVISA.
Figura 1: A avaliação de risco é apenas um dos três
elementos conformadores da análise de risco. Na avaliação não cabem questões
socioeconômicas, que devem fazer parte da comunicação de risco e da gestão de
risco, mas apenas o risco representado pelo produto transgênico na saúde humana
e animal e ao meio ambiente.
Tendo isso claramente delineado, pode-se ler a contribuição
do Leonardo Melgarejo e avaliar os pontos positivos e negativos dela.
O autor inicia seu texto de forma clara, mostrando que as
plantas transgênicas agora no mercado mostram apenas tolerância a herbicidas ou
resistência a insetos, ou uma combinação destas características. Entretanto,
não esclarece ao leitor nem ao CONSEA porque isso é assim, não apenas no
Brasil, mas pelo mundo afora. A razão é muito simples: estas características
são ao mesmo tempo as mais importantes para a agricultura moderna e aquelas mais
fáceis de ser obtidas por transgenia. Não há nenhum demérito nisso, como o
autor insinua com a alegação de que “apenas isso” foi o que a transgenia trouxe
até agora. Estas novas características estão longe de ser um detalhe e dão uma
vantagem competitiva enorme ao agricultor que adota o produto. A prova disso é
a adoção extensiva de variedades GM que expressam os dois fenótipos em todos os
países que permitem o plantio de cultivos transgênicos.
Em seguida, o autor adentra o corpo do artigo, com palavras
de efeito lançadas ao leitor sem qualquer base nas evidências. Os “elementos
para discussão”, retirados do texto do
autor, são:
a)
Fundamentalmente, nenhum daqueles produtos (as plantas transgênicas aprovadas pela
CTNBio) cumpre exigências legais na medida e que seus processos não incluem
estudos fundamentais para a segurança do consumidor, mesmo quando exigidos por
lei como, por exemplo, avaliações nutricionais com animais em gestação e
estudos de longo prazo (duas gerações) para análise de efeitos carcinogênicos e
teratogênicos.
b)
Quais as vantagens e quais os riscos associados
à transgenia que devem ser observados no presente?
c)
Os resultados obtidos no Brasil contrariam de
alguma forma a realidade internacional?
d)
Em países onde as liberações começaram mais cedo
os resultados são diferentes?
e)
Como entender a rápida adoção dos transgênicos
pelos agricultores e sua rejeição pelos consumidores?
Nas perguntas já há uma mistura de elementos que são
pertinentes à avaliação de risco (essencialmente a primeira pergunta e talvez
parte da terceira e da quarta que, aliás, se confundem). Esta mistura será
danosa à compreensão do texto, como veremos.
O autor, contudo, produziu um texto não linear e antes de
adentrar nas questões acima especula sobre outras questões de fundo, que
permeiam toda a análise de risco. Assim, depois de explicar convenientemente as
vantagens para o agricultor representadas pelos fenótipos de tolerância a
herbicidas e resistência a insetos, o autor parte para avaliar os problemas
que, na sua visão, estão na ordem do dia da aprovação e uso de plantas transgênicas, mas inicia com as
tais questões
de fundo.
Primeiro, o autor sugere que a ciência não pode ser
desagregada da visão social inerente ao uso do produto, o que está certíssimo
quando se fala em análise de risco, mas completamente errado quando se fala em
avaliação de risco. Além disso, o autor esquece que o inverso é igualmente
verdadeiro: a visão social e econômica não pode prescindir da base científica. Por
isso, também o cientista social deve ter clara em sua mente a fala da ciência e
não pode menosprezar suas conclusões. Para uma análise detalhada desta questão,
sugerimos a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2013/06/transgenicos-banimento-frances-do-milho.html. Como veremos, na sua crítica à biotecnologia agrícola e à
avaliação de risco realizada pela CTNBio, o autor se apoia em uma visão social clara (contra a biotecnologia) mas patentemente afastada e frequentemente em conflito com a ciência. Falha, assim, tanto na avaliação de risco - em particular - como na análise de risco enquanto visão holística do problema..
O avaliador de risco (isto é, o especialista que senta na
CTNBio) deve se distanciar dos aspectos sociais e econômicos para
poder ver apenas os riscos, assim como o público deve se distanciar do
drama para entender o aspecto social do teatro brechtiano (http://en.wikipedia.org/wiki/Distancing_effect).
O leitor deveria ser esclarecido sobre
isso pelo Leonardo Melgarejo, assim como os colegas do CONSEA, para depois não
virem pedir à CTNBio aquilo que não é seu papel e que, ao contrário do que se
poderia imaginar, em nada contribuiria para uma avaliação de risco bem feita. A abordagem mais holística, que adiciona os questionamentos sociais e econômicos, cabe ao CNBS, como dissemos acima. É evidente que outros grupos dentro da sociedade podem também contribuir com a discussão, mas pouco ou nada poderão fazer para adicionar informação à avaliação de risco se insistirem em misturar os elementos da análise de risco mostrados na Figura 1. Para maior esclarecimento do leitor adicionamos o Quadro abaixo, que contem o conceito de risco e sua distinção em relação a perigo e outros termos popularmente empregados na percepção do risco.
Em seguida, o autor sugere que há um “enorme distanciamento
entre as informações sustentadas pela ciência e as práticas comerciais”. Ora,
no caso dos transgênicos a ciência foi usada no seu desenvolvimento e na
avaliação de risco. O avaliador de riscos também emprega em suas avaliações
dados aportados pela melhor prática agrícola, mas o agricultor apenas muito
indiretamente emprega a ciência, uma vez que esta é “traduzida” nas instruções
pragmáticas da atividade de campo. Não
há distanciamento algum nisso! O texto sugere, contudo, que os agricultores
estão fazendo algo muito diferente daquilo que os cientistas esperavam em suas
avaliações de risco, naquilo que trata do uso pretendido. De jeito nenhum: não
há fundamentalmente coisa alguma na agricultura que contrarie as expectativas
dos avaliadores daCTNBio, pelo menos em relação aos riscos identificados, e isso é o que
importa. É evidente que têm assento na CTNBio especialistas em cada uma das culturas transgênicas (soja, milho, algodão e feijão), assim como daquelas que estão sendo estudadas em experimentos de campo (cana-de-açúcar, eucalipto, laranja, etc.); quando por ventura falta algum conhecedor profundo do assunto, a CTNBio prontamente convida especialistas ad-hoc para sua instrução. Por isso, boa parte do que acontece na agricultura é de conhecimento da CTNBio, mas apenas aquilo que diretamente contribui para os riscos deve ser discutido na Comissão.
Por causa deste imaginário distanciamento, o autor diz que é
preciso manter uma posição cautelosa. Não é nada disso: precisamos manter uma
posição cautelosa porque isso faz parte da postura do avaliador de risco
e porque somos signatários do Protocolo de Cartagena, independentemente de quão distantes pudessem ou não estar a
teoria científica e a prática agrícola (que não estão!).
Logo em seguida o autor saca do bolso uma definição do “Princípio da Precaução”
que está inteiramente equivocada e que nada tem a ver com o que reza o
Protocolo de Cartagena. Leonardo nos informa: o “Princípio da Precaução ...
afirma o fato óbvio de que a inexistência de informações sobre riscos e danos
não pode ser assumida como evidência da inexistência destes riscos e danos”.
Ora, o que o Protocola afirma é “Princípio
15: Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de
acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de
riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza
científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de
custo, para evitar a degradação ambiental" (http://homolog-w.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=71&idConteudo=7877).
O Princípio não fala de inexistência de informações, mas de incertezas (ou
falta de certeza científica total). Mais ainda, fala especificamente que "Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total etc...) Ora, então é preciso que essas ameaças existam de forma definida. E isso de forma preliminar. A precaução vem em consequência de eventualmente não se saber lidar com essas ameaças (ou as avaliar) de forma clara. Mas a ameaça (o risco) tem que pré-existir. Não pode ser um conto da carochinha.
O Princípio da Precaução também nada fala da tal inferência de que
uma incerteza levaria à conclusão de que não haveria riscos. Isso é totalmente
absurdo, evidentemente. Ora, nunca haverá uma certeza científica total,
portanto o avaliador deverá sempre ser cauteloso e não postergar a adoção
de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação
ambiental. Isto significa dizer que, se houver riscos, medidas
preventivas ou mitigatórias devem ser adotadas, mas não significa, de modo algum, que o produto não deverá ser adotado. Além disso, e como enfatizamos anteriormente, o Protocolo claramente
diz em que condições a autoridade nacional deve ter uma abordagem precautória
desta natureza: onde existam ameaças de
riscos sérios ou irreversíveis. No entender da CTNBio e de todos as agências
oficiais de avaliação de risco no Mundo, as plantas transgênicas até hoje
aprovadas NÃO REPRESENTAM AMEAÇAS DE RISCOS SÉRIOS E IRREVERSÍVEIS ao ambiente
ou à saúde. Os riscos foram sempre avaliados como pequenos ou insignificantes
pelas agências da Europa (EFSA), Estados Unidos (várias), Austrália (OGTR),
Argentina (CONABIO) e muitas outras, além da nossa CTNBio. Todas estas agências
poderiam estar erradas, é claro, mas o plantio de 170 milhões de hectares de
plantas transgênicas pelo mundo afora e o consumo de grãos e produtos
processados por gente e bicho em dezenas de países, sem qualquer relato sério
de dano, prova que estas plantas NÃO REPRESENTAM AMEAÇAS DE RISCOS SÉRIOS E
IRREVERSÍVEIS. Assim, os avaliadores de risco devem continuar seguindo o
Princípio da Precaução da forma como vêm fazendo, pois os resultados demonstram
que as avaliações e liberações muito provavelmente não trarão danos graves e
irreversíveis ao ambiente ou à saúde humana ou animal.
Seguindo a argumentação de que a CTNBio fez sempre uma
avaliação baseada em dados insuficientes (portanto, recheada de incertezas), o
autor espera que apesar da “confiança
otimista na tecnologia – exagerada e distante da sustentação científica”, os
“problemas potenciais” não se tornarão realidade. Ora, a CTNBio não avalia
tecnologia, mas o produto. E não lhe interessa nem um pouco se o produto será
um sucesso ou não, ou se o país precisa ou não dele. Sua função é avaliar riscos. E para isso justamente os tais "problemas potenciais" é que são os mais analisados e têm - SIM! - seus riscos avaliados! Enfim, uma curiosa mistura de ideias desconectadas da prática de avaliação de risco com informações distorcidas. Isso induz o leitor à conclusão de que os membros da CTNBio são
um bando de pascácios irresponsáveis e tolos.
Depois destes preâmbulos o autor penetra na discussão dos
problemas das plantas transgênicas, mas não inicia com os alegados desrespeitos
à lei (primeiro item da sua pauta de elementos para discussão), e sim com
questões de benefícios ou expectativas não cumpridas pela tecnologia. Estas
questões não são exatamente o tema dos avaliadores de risco, mas parece óbvio
que a taxa de adoção crescente da tecnologia nos principais cultivos para os
quais existem variedades GM, dentro e fora do Brasil, prova suficientemente que
as plantas transgênicas cumprem o que prometem, pelo menos em grande parte.
Assim, não vamos discutir esta parte do texto, que deve ser analisado por
engenheiros agrônomos especialistas em cada um dos cultivos transgênicos
principais (milho, soja e algodão).
Finalmente chegamos a uma das perguntas formuladas no início
do texto (na verdade, a quinta e última): o que leva os agricultores a adotarem
a tecnologia? Leonardo, partindo do princípio de que as plantas transgênicas de
fato não trazem vantagem ao agricultor (contrariando o que sugere a adoção da
tecnologia e a opinião de milhares de especialistas, além de artigos
científicos sobre o assunto), chega à surpreendente conclusão de que o
agricultor brasileiro emprenha pelas orelhas!
Assim, embora não negue as vantagens de manejo de campo, ele contabiliza
como muito importantes para a decisão de compra dos agricultores “ a influência de formadores de opinião, das campanhas de marketing, e de decisões da própria CTNBio”. Ora, o
agricultor brasileiro não é um consumidor final, mas um produtor. Assim, é o
rendimento no fim da safra que vai determinar sua próxima compra. É muito
diferente da compra de um celular ou de um automóvel. É evidente que a
propaganda pode influenciar um pouco; é claro também que se a CTNBio tivesse
uma posição dúbia sobre a segurança, talvez desencorajasse algum agricultor,
mas a adoção crescente é expressiva e eloquente: os agricultores gostam da
tecnologia e a adotam cada vez mais. Leonardo afirma, ao fim, que não há
alternativas. Hoje, de fato, a maior parte do mercado de sementes é
transgênica, mas isso não era assim há míseros 3 anos. O que mudou? Mudou a
preferência, em função do desempenho, e assim a oferta das plantas não-GM é
cada vez menor. Ainda assim, se subitamente os agricultores resolvesses mudar
para as variedades não GM, em pouco tempo a oferta seria revertida. Mesmo hoje
há mais de 250 variedades comerciais de milho no mercado e menos de 30% é
transgênica.
Ao final do item dedicado à opção dos agricultores, o autor
toca na questão da avaliação de risco ambiental realizada pela CTNBio quando
diz: “Embora comum nos pareceres da CTNBio, a afirmativa de que as PGMs são seguras
porque submetidas a avaliações rigorosas
não procede. Os estudos de campo realizados pelas empresas são,
majoritariamente, voltados à verificação da eficácia dos produtos ou associados
a campanhas de divulgação e marketing entre produtores”. É muito estranho que um membro da CTNBio
queira passar a ideia de que a avaliação de risco é baseada apenas em
experimentos de campo. Muito pelo contrário: os dados de laboratório são muito
mais informativos e uma parcela majoritária das questões de risco é resolvida
com este tipo de experimentos. Estes dados procedem de várias fontes, é claro,
e não apenas das empresas. Além disso, avaliações a campo também estão
disponíveis na literatura científica, ainda que em geral não realizadas no
Brasil. As conclusões, contudo, são perfeitamente transportáveis para nossos
ecossistemas.
Seguindo a linha de raciocínio de que os estudos a campo são
vitais, o autor afirma que “a avaliação de riscos ambientais depende de estudos
desenvolvidos nos vários biomas”. Pois está enganado: em geral as questões de
risco são resolvidas, como dissemos, por experimentos de laboratório. A
condução de uma porção de experimentos em campo em diferentes biomas não traz
qualquer informação suplementar, exceto para alguma questão muito específica e seguramente não é o caso das espécies
listadas pelo Dr.Rubens Nodari e apresentadas na figura 9 do texto do Leonardo.
Poder-se-ia perguntar porque fazem as empresas tais experimentos a campo, uma
vez que os dados obtidos em laboratório são mais informativos. Porque a CTNBio,
na sua RN-05, sugere (mas não obriga) que experimentos a campo sejam feitos. É
evidente que isso só faz sentido se os experimentos acrescentarem informação
valiosa para a avaliação de risco, o que por vezes não ocorre. Ainda assim, ao
contrário do que diz o autor, vários dos estudos a campo realizados no Brasil
foram publicados, uma vez que realizados dentro do rigor científico, em geral
em parceria com as instituições de pesquisa mais conceituadas do país.
Mais adiante, ao comentar os riscos à saúde, o Leonardo
Melgarejo toma como verdade o desacreditado e vergonhoso artigo de Séralini e
sua turma, onde se pretende mostrar que um milho transgênico pode dar tumores
em ratos. Este é, sem dívida, o maior desserviço que ele poderia fazer ao
debate que teve lugar no CONSEA e seguramente se estenderá a outras plateias. Também
é a mais eloquente demonstração de que seu compromisso com uma ideologia
anti-transgênicos o leva a separar sua luta social da prática e do conhecimento
científicos, batendo de frente com o que nos ensinam os pedagogos e filósofos,
em particular o Paulo Freire, como comentamos antes. Os efeitos mostrados no
artigo e emblematicamente apresentados pelo Melgarejo no texto ao CONSEA são
devidos a uma causa muito diferente do consumo do milho GM (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/11/fim-da-polemica-dos-ratos-com-tumores.html;
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/seis-academias-cientificas-francesas_9343.html;
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/brazil-officially-rejects-seralinis.html).
Além do mais, nos EUA e em muitos outros países aves, porcos e vacas consomem
milho transgênico por muitas gerações e nada disso foi visto. Tomemos, por
exemplo, a criação de frangos de corte e galinhas poedeiras. Como todos sabem,
uma galinha é essencialmente um “milho de asas”, contribuindo este cereal com
80% de seu peso. Matrizes, pintos, frangos e galinhas têm sido alimentados
exclusivamente com milho GM por anos a fio e não se viu nada que pudesse
condenar seu uso. O mesmo é válido para suínos e bovinos, embora a contribuição
do milho seja menor (equivalente ou maior, contudo, que a do rato do Séralini).
Para reforçar sua opinião favorável ao disparate gerado pelo
Séralini e sua trupe circense o Leonardo afirma que será possivelmente bom o
apoio que a União Europeia parece dar a uma reavaliação (repetição) do trabalho
por outros autores. Aqui cabe um reparo importante: nenhum cientista sério vai
repetir o absurdo experimental gestado por Séralini et caterva. Podem, quando
muito, fazer experimentos com prazos muito dilatados e talvez optar por ensaiar
em vários animais. Mas achamos muito difícil que algum grupo de pesquisa perca
tempo com isso, uma vez que a prática na avicultura, na suinocultura e nas
demais áreas onde se alimentam animais com milho prova amplamente que nada do
que viu o Séralini é minimamente possível. Além disso (ou principalmente por isso!), não há uma hipótese
científica que justifique tais experimentos. Para uma discussão sobre o tema
veja-se http://genpeace.blogspot.com.br/2013/04/repeating-seralinis-experiment.html.
Lá pelo meio do texto o autor comenta os problemas que, na
visão dele, impediram avaliações de risco corretas, seja por desrespeito à lei
ou por outra razão qualquer. E afirma que a CTNBio desrespeita a lei por não
exigir ensaios de múltiplas gerações ou em animais prenhes como item de avaliação
de risco alimentar. Ora, o Codex Alimentarius e outros textos internacionais,
além da prática toxicológica, mostram claramente que estes estudos só se
justificam se houver evidências de toxicidade da fase aguda. Isto nunca foi
observado para as proteínas transgênicas que, ademais, estão sempre em
quantidades diminutas nos grãos GM e são prontamente degradadas pelo nosso
sistema digestivo. O que a CTNBio pede, na RN-05, é que estes resultados (que o
Leonardo tanto enfatiza) sejam apresentados, se existirem. Como nunca houve
indicação cientificamente justificável para sua realização, eles em geral não
foram feitos. Mas, como dissemos anteriormente, a prática mostra que, geração
após geração, galinhas, porcos, patos, perus, gansos, bois, vacas e todo tipo
de animal de criação comedor de milho vivem muito bem, assim como seus
descendentes. Também no Brasil, após o consumo de milho GM por pelo menos dois
anos por boa parte dos brasileiros que comem comida de milho, nunca foi vista
qualquer anormalidade, assim como em qualquer outra parte do Mundo. Mais uma
vez o Leonardo se opõe ao método científico, adotado e referendado
internacionalmente, para avaliar toxicidade e valoriza mais a letra legal (de forma equivocada!) do
que tudo o mais, inclusive o que ocorre no mundo real.
Há ainda outros elementos trazidos pelo texto para uma discussão
que, seguindo a mesma tônica dos anteriores, semeiam dúvidas baseadas numa
compreensão insuficiente de avaliação de risco de OGM e numa visão pessoal e
radicalmente contrária à biotecnologia agrícola. Cremos, contudo, que a crítica
mais importante e pormenorizada está feita e que remete o leitor (e, esperamos, os membros do
CONSEA) a meditar sobre a pertinência de um texto produzido com um perigoso
viés anticientífico num assunto em que a ciência é fundamental: avaliação de
risco.