quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Artigo que “mostra” o surgimento de tumores em ratos provocado pelo consumo de milho geneticamente modificado carece de qualquer base científica


Mais uma vez o grupo do prof. Séralini brinda a comunidade científica com um artigo que pretende demonstrar efeitos deletérios do consumo de milho GM em mamíferos. Em todos os sites da internet que divulgam notícias sem ir ao fundo delas está dito o que o autor principal declarou aos jornais: que os efeito são claros, que é um crime liberar este produto para consumo, etc.

Mas o artigo é um completo desastre científico e fica muito difícil entender como uma revista científica de qualidade aceitou tamanho disparate. Para que o leitor entenda a questão é essencial saber que estudos de curta e média duração com milho GM já foram feitos com diferentes animais experimentais, em diferentes condições, e nunca apontaram qualquer efeito deletério sobre a saúde dos animais experimentais. É importante também saber que o milho NK603 é consumido por animais e serem humanos há quase uma década, pelo mundo afora, sem qualquer relato de problemas de saúde. Assim, soa muito estranho que um experimento conduzido em ratos tenha mostrado um impacto tão grande, com o aparecimento de tumores nos animais.

Neste comentário não vamos entrar nos detalhes estatísticos do trabalho e na forma deficiente como os resultados são apresentados. Isso será encaminhado ao público mais tarde. Vamos apenas trazer ao conhecimento público o que ocorre quando ratos da raça escolhida pelo grupo francês são mantidos em laboratório por mais do que os regulares 6 meses.

Os leitores devem saber que um rato costuma viver em média cerca de 700 dias, portanto menos de dois anos. A pretensão do Dr. Séralini e seu grupo de fazer um estudo de longa duração com um animal que vive tão pouco já começa errada aí. Como todos os grupos de mamíferos,  à medida que vão envelhecendo, os ratos começam a apresentar tumores (malignos ou não) em diversos órgãos e tecidos do corpo, e isso é especialmente comum nos ratos da raça escolhida pelo grupo francês. A tendência a ter tumores pelo corpo é genética nesta raça e nada tem a ver com o tipo de tratamento que se dá a eles. Claro é que muitos fatores podem aumentar ou diminuir um pouco esta tendência, mas são tantos (tipo de alimento, estresse, manipulação, etc., etc.) que é IMPOSSÌVEL deduzir o que quer que seja quando estes tumores começam a aparecer.  É exatamente por isso que os estudos com ratos em laboratório não podem ir além de uns poucos meses.

Pois bem: o Dr.Séralini empurrou a janela temporal de seu experimento até a morte dos ratos, quase dois anos depois de começar seu experimento. E, é claro, observou uma enorme quantidade de tumores nos ratos. Estes tumores devem ter aparecido também nos animais controle mas, espertamente, o artigo esconde isso num texto confuso e mal escrito. Em resumo, o grupo criou um factoide científico, empregando uma metodologia completamente errada. Suas conclusões são inválidas do princípio ao fim e é realmente uma vergonha que uma revista conceituada como a Food and Chemical Toxicology tenha aceito o artigo.

Para leitura dos mais interessados, recomendamos os artigos abaixo, já muito bem assimilados pela ciência (publicados muitos anos atrás!), que descrevem os tumores espontâneos  em ratos (da raça usada pelo grupo francês) e em camundongos:

Recomendamos com muita ênfase a leitura do artigo abaixo, que mostra a forma importante como variações da dieta (que nada tem a ver com transgênicos) afetam o aparecimento dos tumores.

8 comentários:

  1. Permitam-me que faça o seguinte comentário: Não tenho por hábito colocar em dúvida a seriedade científica fatual de qualquer publicação científica e muito menos o faria neste caso, dado tratar-se de um conceituado cientista e de uma revista com reputação. Contudo não posso deixar de fazer duas observações que no meu ponto de vista me parecem pertinentes:

    1 - Porquê agora o aparecimento deste tipo de neoplasias com esta variedade de milho transgénico? Se esta variedade já circula e é utilizada desde o ano 2000, porquê, só ao fim de 12 anos aparecer um resultado deste tipo quando tantos outros trabalhos foram durante estes anos realizados?

    2 - Porquê esta variedade? Qual a razão desta variedade e apenas esta?

    São questões que, para esclareciemnto de todos não vemos resposdidas nesta publicação. É lamentável pois são importantes, na minha parca opinião.

    Cumprimentos

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    1. Os questionamentos do Prof. Saul são muito pertinentes: afinal, se animais e homens consolem produtos derivados deste milho por mais de uma década, como é que nada tão grave assim ainda não surgiu em alguma parte deste vasto globo? Além disso, porque esta variedade de milho e não outra qualquer das muitas que expressam a mesma proteína? Será por causa do fabricante?
      Lamentavelmente para os consumidores, os cientistas e o público em geral há uma turma de investigadores irresponsáveis que continuam, com o apoio igualmente irresponsável de certas revistas e, sobretudo, da mídia, a propalar ideias absurdas acerca de segurança de alguns eventos transgênicos. Será sempre uma avaliação caso-a-caso, mas é claro que as conclusões às quais eles chegam são sempre estendidas a TODOS os transgênicos, o que é ainda mais irresponsável.

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  2. Olá, não sou pesquisador mas gostaria de respeitosamente comentar um argumento:

    "...se animais e homens consomem produtos derivados deste milho por mais de uma década, COMO É QUE NADA TÃO GRAVE ASSIM AINDA NÃO SURGIU EM ALGUMA PARTE DESTE VASTO GLOBO?..."

    Posso formular uma pergunta semelhante ..como é que se sabe que nada tão grave JÁ não surgiu em alguma parte deste vasto globo?

    Pergunto por que, segundo a OMS, a incidência global dos cânceres está aumentando; ela é crescente e afeta todas as idades.

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  3. Dan, segue meu comentário sobre a relação enre câncer e consumo de transgênicos.

    O último”World Cancer Report” aponta para um provável aumento na incidência de câncer no mundo, tanto entre a população dos países desenvolvidos como entre a dos países em desenvolvimento. Há um conjunto de causas para justificar este aumento esperado, mas a principal está relacionada aos hábitos nocivos, entre eles o tabagismo. Estão também envolvidos o consumo de alimentos prejudiciais à saúde, o estresse e, nos países em desenvolvimento, a deterioração do atendimento preventivo ao câncer nos sistemas públicos de saúde.

    É frequente ouvirmos ou lermos afirmações de que este ou aquele novo fator são importantes para um possível aumento da incidência do câncer (e de outras doenças). Em geral, os fatores que contribuem para o aumento da incidência do câncer são aqueles que sempre contribuíram. O aumento nas próximas décadas reflete o aumento destes fatores, velhos conhecidos do epidemiologista na área, e não a entrada de novos fatores, para os quais a ciência (a boa ciência, não o lixo publicado por certos pseudo-cientistas) tem fortes evidências. Assim, não se espera que o uso de celulares ou Ipads aumente a incidência de câncer, nem a adição de cereais não maltados à cerveja, nem a adoção da vaca holandesa como produtora de leite, nem, é claro, o consumo de plantas transgênicas. Para nenhum destes fatores existe qualquer relação com câncer, muito menos com o aumento da incidência de qualquer câncer, em qualquer idade, em qualquer parte do Mundo.

    Veja também comentários em Vida Médica (http://www.vidamedica.com.br/cgi-bin/vm.pl?hn_70)

    Atenciosamente,
    Paulo Paes de Andrade
    andrade@ufpe.br

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  4. Adorei este argumento! Rato velho sempre tem câncer, rs! Em vez de pesquisar por que será que os ratos ficam doentes! Na minha juventude os ratos velhos não tinham tanto câncer como hoje em dia. Se não for por causa da comida, então deveria ter outra explicação. Você tem certeza que temos que aceitar a idéia que isso é simplesmente totalmente normal?
    Para um europeu esclarecido a idéia de criar plantas resistentes a agrotóxicos parece absolutamente ignorante, porque não existem seres humanos resistente a agrotóxicos. É outro mundo. Temos faculdades que já existiram quando Cabral descobriu o Brasil. O Brasileiro nem consegue viver sem sacolas de plástico e garrafa PET, mas a gente sim. Com o uso de agrotóxicos temos ainda dificuldades, mas estamos trabalhando nisso. Estamos desenvolvendo energias limpas, como energia eólica e solar, em vez de chamar isso de idéias marxistas como nos Estados Unidos. O Brasil esta tentando de ter um carro para cada Brasileiro, em vez de ter um transporte público digno. O Rio de Janeiro tem a maior rede de ciclovias no Brasil com 11 centímetros por pessoa, ridículo! Temos uma visão muito, muito diferente do futuro!
    A experiência com Hitler nos ensinou algo muito precioso: sempre questionar as autoridades! Às vezes é bom se afastar um pouquinho de tudo, e se perguntar se estamos mesmo no caminho certo. E sempre podemos aprender de outras culturas. O Brasileiro é um dos povos mais felizes do mundo e poderia dar ótimas lições a outros! Primeiro lugar em carinho, laços, familiares e fé! A Alemanha parece terceiro mundo em comparação. Mas em planejamento para o futuro estamos tal vez um pouquinho mais avançados...

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    1. Caro Mike, vou comentar seu texto em duas partes, porque a caixa de diálogo só aceita até 4000 caracteres.

      (Parte I)
      Nem todas as linhagens de rato desenvolvem tumores quando passam dos 9 meses de idade. A que o Séralini e seu grupo escolheram tem esta característica. Se tivessem escolhido dezenas de outras, não teriam visto nada. E, veja bem, o aparecimento deste tumores é espontâneo. Não há, em princípio, qualquer base para supor que uma proteína que já se encontra na nossa dieta (um mundo de plantas é resistente/tolerante ao glifosato, e nós as comemos) possa nos dar câncer porque aparecem agora numa planta que também a tem, mas apenas com alguns poucos aminoácidos diferentes. É tudo tremendamente fantasiosos para quem percebe a biologia da resistência ao glifosato e sua distribuição na natureza. O que se conclui é que os dois grupos, controle e alimentados com milho tolerante a glifosato, apresentaram igualmente os tumores. A estatística do trabalho é completamente furada e não permite que se chegue a conclusão alguma além desta: não é a comida que gera o câncer, mas a propensão natural desta linhagem de ratos.

      Quanto à ideia de criar plantas resistentes a agrotóxicos, é preciso entender que elas já existem na natureza, aos montes, e fazem parte de nossa dieta, inclusive. O gene usado para fazer o milho resistente ao glifosato veio de outra planta, muito comum e usada como modelo em biologia experimental. Mas poderia ter vindo de outros vegetais que consumimos. Já o ser humano não tem a via bioquímica que o glifosato inibe e, portanto, não se pode dizer que ele é resistente ou sensível, não faz o menor sentido. Doses grandes de glifosato (se ingerido) são tóxicas, mas este agrotóxico é de classe toxicológica muito baixa, comparativamente a outros no mercado, igualmente empregados, ou a outros tóxicos aos quais somos expostos diariamente (como a nicotina). Claro que o homem não é resistente a uma série de produtos tóxicos e patógenos, mas nem por isso devemos deixá-lo tão vulnerável; afinal, desde Pasteur que temos nossas vacinas, que são a forma de nos expor a um agente sem que ele nos faça mal, do mesmo jeito que as plantas feitas tolerantes ao glifosato. Até agora as vacinas não envolvem a transgenia do homem, mas não vejo razão para esta estratégia ser adotada, sobretudo nas vacinas contra o câncer e doenças crônico-degenerativas de fundo genético.
      (fim da parte I)

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  5. (Parte II)
    Quanto a anterioridade da ciência na Europa, em relação ao Brasil, você está certíssimo, assim como também está em relação ao desleixo com que tratamos nosso meio ambiente. Mas estes são assuntos não têm a ver diretamente com a transgenia e os experimentos viciados do Séralini. Gostaria apenas de lembrar que os chineses, que têm uma cultura muito mais antiga do que qualquer país europeu, já adotam a transgenia e desenvolveram variedades de plantas tolerantes a herbicidas e resistentes a insetos, além de tolerantes a estresses hídricos e metálicos, e começam a adotá-las. Portanto, se for por anterioridade cultural, devemos olhar a China. Além disso, a tradição cultural, embora seja um indicativo de que o país segue um bom caminho, não impediu a Alemanha de ter um Hitler, nem a China de ter um Mao Tsé Tung. Para a questão dos transgênicos, e sobretudo para a questão específica da avaliação de risco, tudo isso é absolutamente irrelevante. O que importa é o quanto os países aprenderam exercitando a avaliação de risco e, infelizmente, a Alemanha neste item tem bem pouca experiência comparada aos EUA, ao Brasil, ao Canadá, à Austrália e à Argentina, todos países que não tem uma universidade com mais de 300 anos de idade...Há bons grupos teóricos aí, sobretudo no Julius Kühn Institute, mas também em universidades. Falta-lhes, contudo, o convívio com as plantações de variedades geneticamente modificadas (GM) e a realidade do consumo de produtos feitos com elas, que são a base da alimentação de animais e seres humanos em todos os países que citei e mais umas duas dezenas de outros, sem qualquer relato real de problema de saúde associado à planta GM. A autoridade, na área de avaliação de risco, não é fruto de elucubrações teóricas, mas da experiência. Mesmo assim, claro, ela deve ser questionada (lição que vem muito antes da queda do Hitler: Sócrates, Galileu e muitos outros que o digam, lá das alturas), mas com base em boa ciência e não em experimentos sem sentido feitos por grupos que ideologicamente se opõem à tecnologia do DNA recombinante.

    Quanto à visão do futuro, acho que o Brasil deve se espelhar na Alemanha e em outros países que nos trazem bons exemplos, como a Costa Rica. Concordo que é estúpida a ideia de querer que cada brasileiro tenha um carro e também acho lastimável que não tenhamos ciclovias espalhadas pelo nosso país. E concordo que, embora tenhamos relações humanas mais satisfatórias no Brasil, somos péssimos planejadores. Entretanto, também acertamos quando desenvolvemos uma avançada tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, quando fizemos da hidroenergia nossa base energética e...quando adotamos as plantas transgências: com isso reduzimos muito o consumo de inseticidas por hectare plantado, trocamos herbicidas perigosos pelo glifosato e, mais importante, preparamos o país para receber a nova geração de plantas GM que vão dar grãos e frutos mais nutritivos aos brasileiros, permitirão o plantio em áreas de solo salinizado ou muito rico em alumínio, economizarão água de irrigação e darão segurança contra estiagens, vão gerar plantas resistentes a vírus, bactérias e fungos e, de uma forma geral, contribuirão para o bens estar de nossos 200 milhões de habitantes e reduzirão o impacto ambiental da agricultura.

    Cordialmente
    Paulo Paes de Andrade
    Ex-bolsista da Fundação Alexander Von Humboldt
    Pós-doutorado no Instituto de Microbiologia Clínica da Universidade de Erlangen-Nürnberg
    andrade@ufpe.br


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