domingo, 21 de dezembro de 2014

Novo protesto contra a posição da EMBRAPA em não avançar na comercialização do feijão transgênico – considerações do Dr. Luiz Antônio Barreto de Castro, Presidente da Sociedade Brasileira de Biotecnologia

Em carta ao presidente da EMBRAPA, Dr. Maurício Lopes, o Dr. Luiz Antônio Barreto de Castro comenta detalhadamente a importância do feijão EMBRAPA 5.1 e a inadequação dos argumentos trazidos à luz na Nota Técnica relativa à existência de um carlavírus na cultura do feijoeiro. Suas considerações complementam as do Dr. Walter Colli (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/12/embrapa-uma-decisao-que-se-impoe.html). A seguir, o texto completo da carta do Dr. Luiz Antônio à presidência da EMBRAPA.

Ao Presidente da EMBRAPA Mauricio Lopes
Assunto: A liberação do feijão transgênico resistente ao mosaico dourado

Senhor Presidente

Desde 1980 tenho trabalhado em engenharia genética em Brasília, boa parte deste tempo no CENARGEN/EMBRAPA, onde iniciei engenharia genética de plantas no Brasil. Não tenho dúvida que no CENARGEN funciona a melhor equipe de expressão de genes em plantas do País. Também não tenho duvida que o marco histórico do CENARGEN, o produto mais importante da EMBRAPA desde 1980, foi a obtenção pelas equipes de Francisco Aragão do CENARGEN e Josias Correa de Farias do EMBRAPA Arroz e Feijão, do feijão resistente ao mosaico dourado obtido pela tecnologia de RNA interferente, que foi responsável pelo Premio Nobel em Fisiologia e Medicina em 2006 a Andrew Z. Fire e Craig C.Mello. Apenas quatro anos depois, os pesquisadores da EMBRAPA acima citados tiveram seu memorial para liberação do feijão transgênico aprovado na 145ª Reunião Ordinária da CTNBio, ocorrida em 15 de setembro de 2011, através do Parecer Técnico número 3024, sendo o primeiro caso de utilização desta tecnologia para obtenção de uma planta geneticamente modificada no mundo.
Importante destacar que, de acordo com a legislação em vigor no país, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração, não cabendo à qualquer órgão contestar tais decisões em razão de questões técnicas. O Parecer aprovado pela CTNBio autoriza, mas não obriga a quem solicitou a liberação de um OGM a fazê-lo. Entretanto, se uma decisão deste Colegiado é contrariada por razões “técnicas”, tal procedimento deverá ser feito à CTNBio pela CIBio competente, explicitando-se as razões que levaram a essa conclusão. A CTNBio, e somente a CTNBio, detém a competência para alterar ou revogar suas decisões e pareceres.    
Ocorre que, tendo tido ciência do conteúdo de Nota Técnica da própria EMBRAPA, de julho de 2014, mais de três anos depois da liberação do feijão transgênico pela CTNBio, venho apresentar alguns questionamentos e registrar minha indignação em face das alegações apostas na referida Nota e do posicionamento adotado pela EMBRAPA que tem, injustificadamente, retardado a liberação comercial do feijão transgênico resistente ao mosaico dourado, aprovado pela CTNBio em 2011.
De acordo com referida Nota Técnica, publicada na página oficial da EMBRAPA, sem número e apócrifa, consta a indicação de que a EMBRAPA decidiu, por ora e sem previsão de tempo, não liberar comercialmente o feijão transgênico resistente ao mosaico dourado, que a mesma solicitou autorização à CTNBio, através de memorial minucioso , contendo mais de trezentas páginas, elaborado por 02 (duas) CIBios.
Cabe destacar que, para que a EMBRAPA alcançasse tal êxito – a liberação do feijão transgênico - foram gastos anos e anos de pesquisa, bem como valores expressivos de dinheiro público, tendo sido objeto de exaustiva e criteriosa avaliação dos membros da CTNBio, que conta com a participação de 36 PhDs  e, não por acaso, é  por esta razão, o único órgão competente para decidir sobre a liberação comercial de OGM de acordo com a lei número 11.105 de 24 de março de 2005.
Como Presidente da Sociedade Brasileira de Biotecnologia, e com a experiência de quem trabalhou na CTNBIO por doze anos, registro minha surpresa diante de comunicação apresentada pela Secretaria de Comunicação da EMBRAPA, ao arrepio do que determina a legislação nacional em vigor, sendo que os motivos ali apresentados não justificam postergar, indefinidamente, o cumprimento de decisão fundamentada da CTNBio.
Inicialmente, causa-me estranheza o fato de tão importante manifestação da EMBRAPA ter sido apresentada através de documento apócrifo de sua Secretaria de Comunicação, que não detém a competência legal para tanto, e não pelas CIBIos competentes da EMBRAPA que apresentaram o memorial à submissão do colegiado.
Da análise atenta da legislação em vigor no país sobre a matéria, pode-se verificar que qualquer alteração de decisão da CTNBio deverá ser apresentada pelas CIBio dos Centros da EMBRAPA. Entendo, ainda, que essas CIBios devem apresentar as questões que impedem a EMBRAPA em cumprir uma decisão daquele colegiado, podendo, inclusive, caso entendam necessário, até requerer a revogação do referido Parecer Técnico número 3024.  
Considerando que a lei de biossegurança preserva expressamente o princípio da precaução, e que cabe à administração pública rever seus atos, caso a EMBRAPA tenha dúvidas sobre a liberação do feijão transgênico, esta poderá solicitar, através da análise técnica de suas CIBios, apresentar seu pedido fundamentado à CTNBio, mas nada justifica a EMBRAPA desconsiderar a aprovação concedida pela CTNBio.
Também não se justifica a alegação de que “O feijão transgênico cumpre até o momento sua finalidade, que é eliminar o risco de infecção das lavouras pelo mosaico dourado, doença que causa prejuízo entre 40% e 70% das lavouras.”, ou mais, pois, sem a sua efetiva liberação comercial, não há como afirmar que este feijão cumpre sua finalidade, pois, até hoje, referido feijão transgênico da EMBRAPA sequer foi registrado no Ministério de Agricultura.
Vejamos, ainda, as questões ora apresentadas sob uma ótica agronômica: a ocorrência de forma mais evidente do Carlavírus, que é transmitido também pela mosca branca e causa uma perda muito menor da lavoura do feijão (cerca de 30%), comparada com o mosaico dourado que causa uma perda de até 70%, a não ser que o feijão transgênico seja utilizado. Na verdade, a perda é total se o plantio for feito inadvertidamente na época de maior incidência de mosca branca.
Se a razão desse novo posicionamento da EMBRAPA não fosse de biossegurança, mas sim agronômica, não justificaria a EMBRAPA preferir que o produtor perdesse 70% de sua colheita de feijão que 30%. O Carlavírus, ao contrário do que consta na Nota Técnica, é conhecido há décadas e sua ocorrência não foi determinada pela existência do feijão transgênico. Tese de doutorado sobre o Carlavírus foi objeto da orientação do saudoso Álvaro Santos Costa, excelente virologista do IAC na década de 80 (oitenta), a um dos seus estudantes .
Diante desse cenário permita-me concluir que o atraso injustificável para a liberação do feijão transgênico poderá ter como consequência o fato de que os produtores de feijão continuarão a perder suas lavouras.
Em resumo, o que propõe a Nota Técnica da EMBRAPA é que se aguarde obter um feijão transgênico resistente aos dois vírus. Resta decidir o que se fazer até lá, depois de mais anos e anos de pesquisa com dinheiro público: controle químico, MIP, vazios de difícil operação, que se funcionassem com eficiência impediriam as perdas das lavouras dos pequenos produtores de feijão, infelizmente não organizados, antes da liberação desse novo tipo de feijão transgênico, medidas agronômicas que repito não funcionam porque se funcionassem os produtores não perderiam suas lavouras
Como Presidente da Sociedade Brasileira de Biotecnologia tenho o dever legal, e até mesmo moral, de insistir para que a EMBRAPA observe o fiel cumprimento da legislação em vigor de Biossegurança, evitando postergar, injustificadamente e sem fundamento técnico científico, a liberação comercial do feijão transgênico resistente ao mosaico dourado, aprovado pelo Parecer Técnico 3024 da CTNBio, ou, caso a EMBRAPA pretenda modificar seu pedido de liberação comercial caberá a esta apresentar seu novo posicionamento através de fundamentação científica e por meio de suas CIBIos do CENARGEN e da EMBRAPA Arroz e Feijão, que detêm competência técnica e atribuição legal para analisar o que consta na referida Nota Técnica da Secretaria de Comunicação da EMBRAPA, e se pronunciarem a respeito à CTNBIO.   
Sendo essas as considerações que julgo pertinentes tecer sobre a matéria.
Atenciosamente
Luiz Antonio Barreto de Castro
Presidente da Sociedade Brasileira de Biotecnologia


c/c ao Presidente da \CTNBIO

Um comentário:

  1. Palmas para Embrapa que finalmente botou um freio nessa organização crimimosa chamada CTNBIO.
    Vc deve estar puto. Eu estou comemorando.

    ResponderExcluir