No dia 12 de setembro tive a oportunidade de oferecer um
mini-curso de 4 hs sobre avaliação de risco e depois participar de um debate
com o Prof. Rubens Onofre Nodari sobre a biossegurança de transgênicos. A
oportunidade foi aberta pelos alunos que organizaram a IV Semana Acadêmica de
Ciências Rurais (http://sacr.curitibanos.ufsc.br/)
em 2013, no campus da UFSC em Curitibanos (http://curitibanos.ufsc.br/
). Agradeço a eles, de coração, todo o
apoio que me deram.
No mini-curso segui essencialmente o que está na página do
GenPeace em http://genpeace.blogspot.com.br/2013/09/guia-para-avaliacao-do-risco-ambiental_687.html
. Creio que foi proveitoso. Havia um público impressionante de mais de 100
participantes. Os slides estão disponíveis em https://www.dropbox.com/s/7k0v7q5dr802v1g/Mini-curso%20SACR2013-%20biosseguran%C3%A7a%20de%20plantas%20transg%C3%AAnicas%20-%20Partes%201%202%20e%203%20.pdf.
O debate sobre transgênicos (http://sacr.curitibanos.ufsc.br/?page_id=160),
iniciado à tarde, foi concorridíssimo, com mais de 200 pessoas vendo a
apresentação do Prof. Nodari, seguida da minha.
Depois de uma pequena pausa o público encolheu um pouco, mas beirou os 80
quase até o fim das perguntas e respostas.
O Prof. Nodari seguiu
o caminho que toma habitualmente nestas apresentações. Os slides da
apresentação ainda não estão disponíveis, mas há outras apresentações online dele que são
parecidas; uma delas é a do link http://www.redes.org.uy/wp-content/uploads/2013/07/Participacion_ciudadana.pdf.
Em lugar de se concentrar nos aspectos biológicos de risco, isto é, na
avaliação de risco, o Dr. Nodari apresentou uma série de aspectos econômicos e
sociais da tecnologia que não fazem parte da avaliação de risco e, sim, da
análise de risco. Falou também da distorção que a CTNBio e todas as outras
agências de avaliação de risco mostram no seu trabalho de avaliar os OGM e
sugeriu que isto seja devido à forte pressão do econômico sobre o científico. Estes
temas podem ser relevantes, mas são aspectos muito controversos, têm um viés
ideológico muito forte e não se prestam para um debate onde sentam professores
de genética (ele e eu, veja nossos CV em http://lattes.cnpq.br/1871521544483113 e
http://lattes.cnpq.br/5792312135796017 ),
ao invés de economistas, psicólogos ou sociólogos. Por isso, sistematicamente
fugi destes temas, procurando trazer a discussão aos aspectos de risco dos OGM,
tanto em minha apresentação (https://www.dropbox.com/s/wf4rt5uvoxlhrjb/Debate%20com%20Nodari.pdf)
como nas respostas às perguntas do público.
Muitas perguntas foram feitas, respondidas inicialmente pelo Prof. Nodari e depois por mim. Não houve qualquer pergunta nova, o que foi discutido é o que já vem sendo debatido no Brasil e no Mundo (http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/biosseguranca-de-transgenicos-polemicas.html). Isso, naturalmente, é o esperado, e é bom que assim seja, pois demonstra que estas questões não estão resolvidas na cabeça do público. A oportunidade de mostrar pontos de vista divergentes é sempre muito boa e isso valoriza o debate, mesmo que acabe criando ainda mais dúvidas (coisa que os dois debatedores ressaltaram como positivo).
Do ponto de vista de biossegurança o debate se concentrou
mais em dois aspectos gerais: o milho crioulo e a segurança alimentar dos OGM
em geral. Houve outras perguntas sobre riscos biológicos relacionados à
tecnologia (por exemplo, a questão dos agrotóxicos) e, em um caso isolado, eu
comentei algo sobre o tema, uma vez que ele não se atém diretamente à questões
dos riscos dos OGM per se. A
concentração das perguntas nestes dois temas principais era também esperada: o
milho é a cultura de sobrevivência por excelência e a questão de inocuidade
alimentar é realmente transversal.
O primeiro slide foi sobre um artigo que mostra a presença
de transgenes em canola feral (atenção, não tem nada a ver com silvestre). O
artigo é este aqui: Schafer et al. (2011)- The Establishment of Genetically
Engineered Canola Populations in the U.S. PLoS ONE 6 (10): | e25736, 2011,
disponível em http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025736.
O artigo só avalia canola em beira de estrada: a presença de
transgenes nestas plantas pioneiras ou escapes (ou, com bastante mais de
liberdade de acepção, ferais) pode ser em parte devida à dispersão de sementes
+ posterior cruzamento, mas nada tem a ver com fluxo para parentes silvestres! Tudo o que se mostra e se discute no artigo é
só de Brassica napus para B. napus, tudo muito provavelmente originado de escapes
de transporte e outros mecanismos de dispersão das variedades cultivadas.
Deixei claro depois da apresentação dele que eu conhecia bem o artigo e que o meu
assunto era outro: passagem de genes para espécies silvestres, não para
domésticas ferais!
Lendo posteriormente o artigo, o que interessa dele nesta
discussão específica é apenas isso:
“Populations of transgenic canola were denser
along major transport routes, at construction sites and in regions of intense
canola cultivation (Fig. 1). At a finer scale, feral populations appeared
denser at junctions between major roadways, access points to crop fields and
bridges, and intersections of roadways with railway crossings. At these sites,
seed spill during transport is a likely mechanism for the escape of transgenic
canola. Nonetheless, feral B. napus plants were occasionally found at remote
locations far from canola production, transportation, or processing facilities.
Populations were also observed at roadsides that had recently been mowed or
treated with herbicide. Although our sampling protocol stipulated that a single
plant be tested at each collection site, multiple sampling of additional plants
revealed a mix of both herbicide resistant phenotypes, or a mix of herbicide
resistant and vulnerable phenotypes in all randomly-tested large populations.”
A gente vê logo que não são populações silvestres, como quiz fazer entender o Prof. Nodari em suas argumentações distribuídas na internet
e repetidas no debate em Curitibanos, mas populações
ferais, isto é, plantas comerciais que escapam do campo e vão crescer em
ambientes não agrícolas próximos. Neste caso, estão na imensa maioria das vezes
na beira de estrada. Devemos nos lembrar que nos EUA se usa com frequência herbicidas
em beira de estrada para limpeza. Geralmente são herbicidas de largo espectro
e, claro, selecionam fortemente as variedades tolerantes que apareçam na beira
da estrada. Assim, é um cenário inteiramente artificial, dependente da ação do
homem. Não há qualquer evidência no artigo de que os espécimes coletados longe
das estradas também carregam os transgenes, embora mesmo isso não fosse prova
alguma de fluxo de pólen a longa distância e coisas assim. É muito mais
provável a dispersão de sementes comerciais por pássaros ou outros dispersores
e, de toda forma, não tem qualquer implicação nas populações que
verdadeiramente interessam: as plantas silvestres sexualmente compatíveis com a
canola. Comparar os resultados deste artigo com um possível fluxo de transgenes
do milho GM para o teosinte é errôneo. Entendo que isto ocorra por um entusiasmo excessivo pela causa contra
os transgênicos, o que é natural (e positivo) dos combatentes ambientais.
O outro slide que ele apresentou mostrava um artigo que segue
pela mesma linha do anterior e é sobre arroz: Chen et al. (2004) - Gene Flow
from Cultivated Rice (Oryza sativa)
to its Weedy and Wild Relatives. An.
Botany 93: 67 - 73. (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14602665).
Eu também já conhecia este artigo, que não traz surpresas ao avaliador de risco
e só pode causar alguma polêmica se apresentado como o Dr. Nodari o fez: como
se o artigo mostrasse que na Natureza os transgenes escapam do arroz para
espécies silvestres. Deixei claro depois da apresentação do Dr. Nodari que o
artigo só mostrava fluxo de genes importante entre o arroz comercial e suas
variedades consideradas daninhas (o arroz vermelho, o preto, etc.). Não
há demonstração no artigo, nem referência na literatura, de que na Natureza os
transgenes podem ser encontrados introgredidos no parente silvestre (Oryza rufipogon, no caso da Ásia), que é
silvestre, até porque o arroz transgênico ainda não está liberado
comercialmente em parte alguma do Globo. Nas condições muito particulares do
experimento (todas as plantas a 50 cm de distância umas das outras) pode haver
uma taxa muito baixa de cruzamento entre as duas espécies de arroz, mas isto em
nada prova que os híbridos com O.
rufipogon seriam minimamente competitivos em condições silvestres. Mais uma
vez, a comparação entre o caso do arroz e o do milho é disparatada, embora mais semelhante que o caso da canola.
Dois outros temas foram trazidos à discussão.
a)
DNA dupla fita circulante e seu (im)possível
impacto na saúde humana
b)
O caso dos ratos com tumor!
Nestes dois temas nossas opiniões
foram frontalmente divergentes. Mas concordamos em outros pontos:
a)
A promessa tola de que os transgênicos vão
acabar com a fome no Mundo.
b)
A questão da produtividade dos milhos crioulos:
quem sabe disso são os especialistas neste tipo de milho, a CTNBio se
manifestou num assunto que não é de seu domínio e errou.
Estes assuntos serão tratados numa próxima postagem. Quando
estiver pronta trago os links para cá.
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