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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Brecht, Maykovsky e a oposição aos transgênicos

Durante anos ele acordou, trabalhou e dormiu com o espírito voltado para uma ideia, para uma pergunta que queria responder. Cada passo de seu trabalho foi voltado a isso. A cada ano estava mais próximo de levar ao público as informações que eram indispensáveis para uma tomada de decisões serena e segura. Mas, à medida que progredia, que respostas iam sendo alcançadas, a alegria da descoberta ia se misturando ao temor. Temor de ver seu trabalho olhado como falso, fruto da aplicabilidade de suas descobertas e do interesse de empresas no seu trabalho.

Já tinha visto coisas assim antes, mas em outros contextos: Galileu e a Igreja, Vavilov e Lisenko, Thomas Morus e o clero britânico e tantos outros. Também já tinha visto invasões de terras de empresas que trabalhavam com coisas que ele estudava, destruição de laboratórios parecidos com os seus, ameaças a pesquisadores de outros países que trabalhavam em coisas parecidas. Mas ele não era russo nem viveu nos tempos da inquisição nem na era vitoriana, nem era de país de primeiro Mundo, nem era empresa multinacional. Então, por que deveria se preocupar?

Acontece que ninguém pertence a uma sociedade impunemente. Para o bem ou para o mal temos que nos posicionar. Enfiar a cabeça no buraco não resolve. E os sinais estão em toda parte, não adianta fingir que não vemos. Já nos alertava Bertolt Brecht:


Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


Um dia invadiram seu laboratório e reviraram tudo. Dias depois sua universidade foi intimada por eles a devassar sua vida, olhar cada e-mail, mexer em tudo que guardava em arquivos, mesmo os velhos e mofados. Depois foi levado a depor em processos sem pé nem cabeça e, finalmente, entraram no prédio onde trabalhava, destruíram tudo que ele fez durante décadas e deixaram escrito em grandes letras vermelhas no fundo de dois triângulos amarelos: traidor da humanidade, seu fim está próximo.





O medo agora é seu companheiro. As descobertas, feitas com muito trabalho e dedicação, foram declaradas falsas, sua dedicação à ciência foi convertida em dedicação ao dinheiro, seu prestígio foi jogado na lama e até suas esperanças soterradas pela indiferença de seus colegas cientistas: apenas poucas e sumidas declarações de apoio a ele e repulsa à ação dos que, em nome de um ideal maior, destruíram sua vida e seu trabalho.











...

Isto acima é uma história genérica, mas cada vez mais os cientistas envolvidos com a biotecnologia vêm sofrendo os ataques dos que, em nome de uma defesa intransigente de ideais ecológicos e anti-capitalistas, lançam-se numa batalha insana para denegrir os cientistas e as instituições de pesquisa. Nós, cientistas, fazemos que não vemos. A sociedade, como um todo, também finge, mas as consequências serão para todos.

De onde virão as ações em defesa dos cientistas, da ciência e de todos aqueles que se posicionam a favor de uma sociedade cujas decisões sejam baseadas em conhecimento? Ou esperaremos até que sejamos empurrados para soluções ao estilo República Bolivariana ou ao modus operandi do ex-presidente venezuelano e mergulhemos num futuro obscurantista, onde a ciência nada vale, bem ao estilo Lisenko?

Aqui os poetas mais uma vez nos ensinam a ter cuidado e a tomar uma posição pró-ativa.

...
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
...

Vladimir Mayakovsy

P.S. Hoje, dia 11 de julho, recebi uma mensagen da Rita Caré, do CIB, com a seguinte notícia:

Foi hoje actualizada a carta aberta da EPSO (*) enviada ao Parlamento Europeu para encorajar a sociedade a respeitar o aconselhamento científico independente e a condenar ataques físicos a cientistas; foi assinada por 56 organizações científicas europeias e de outras regiões do mundo.

O CiB - Centro de Informação de Biotecnologia assinou, dando o seu total apoio a esta iniciativa.

A carta actualizada em Português e noutras línguas está disponível neste link:


Quando nossas sociedades cientificas vão se manifestar? Não só a SBPC, mas a ABC e as sociedades profissionais, das quais fazemos parte e pelas quais lutamos?