terça-feira, 11 de agosto de 2015

Uma “outra” ciência é possível, propõe Dario Aranda. Mas não é o primeiro a propor: Lisenko o fez antes na extinta URSS

O manifesto Declaración Latinoamericana por una Ciencia Digna – Por la prohibición de los transgénicos en Latinoamérica fala de uma “outra” ciência, supondo que a atual está comprometida com as corporações, em particular a ciência que tem interface com a biotecnologia. Há aqui um grave erro conceitual: a ciência é uma só e caracterizada pelo uso do método científico para a elucidação de questões. Não importa se o cientista está se debruçando sobre a busca de uma fórmula para uma série matemática ou se está em busca da compreensão de um novo mecanismo de manipulação do DNA. Seus resultados e sua análise, se obtidos com o emprego do método científico (consubstanciado nas várias metodologias de seu trabalho), serão válidos. Qualquer experimento que fuja destas regras básicas não tem validade.

Além disso, a ciência é um processo de construção e desconstrução gradual, com idas e vindas e uma história complexa de acertos e erros. Neste caminho a verdade nunca é absoluta, mas não deixa de existir. Esta afirmação parece absurda ao leigo, mas assim é: o que é aceito pela maioria dos cientistas é a “verdade”. Se houver outro ponto de vista igualmente baseado em ciência (isto é, com resultados obtidos e analisados de acordo com o método científico), ele será considerado como uma alternativa em estudo e só vencerá o main trend se for apoiado por uma parcela grande de cientistas. Se um grupo tem resultados que foram obtidos em violação aos princípios da experimentação científica, não pode pretender impor seu ponto de vista nem desafiar o que a maioria acredita, porque falta consistência (e, em última instância, verdade) nos resultados.

Claro está que existem regras rígidas quanto à ética experimental quando ela envolve animais e seres humanos nos experimentos. E o cientista, enquanto Homem, deve também pautar-se pela ética em seu comportamento em relação à sociedade. Estas regras não alteram resultados, mas validam o trabalho do cientista como ser social. Em todas as instituições de pesquisa, sejam públicas ou privadas, há comitês de ética e os próprios cientistas estão agudamente conscientes de seu papel como exemplos de comportamento ético, além de serem exemplos do indispensável modus operandi científico.

É certo que nem todo cientista é ético, mas a maioria o é. Imaginar que a maior parte dos que trabalham em investigação na interface com a biotecnologia é composta de cientistas antiéticos e que apenas um pequeno grupo de “independentes” é ético compõe a fantasia dos ativistas anti-OGM. O que fazem os ativistas é um julgamento ideológico dos cientistas que geram as descobertas e daqueles que fazem a inovação nesta área aplicada. Quem os julga tem em geral seus trabalhos na mesma área rejeitados pela maioria dos cientistas, não por qualquer característica ética ou anti-ética de quem gerou os resultados, mas pelo descumprimento do método cientifico na geração de seus resultados. É o caso do Séralini, do falecido Carrasco e de alguns outros: seus resultados foram obtidos com violações mais ou menos graves do método científico.


Poder-se-ia argumentar: acaso existe só um método científico? Uma “outra” ciência, em que a ética e a ideologia fossem os guias principais, e não a ditadura do método científico cartesiano, não poderia desenvolver sua própria metodologia? Sim, poderia! Tivemos um exemplo completo disso no biólogo Lisenko, que inventou uma nova genética e um novo método experimental que convinha à ideologia e à ética do Partido Comunista Soviético na ocasião. Os que se alinharam ao seu novo método, ungidos pelos santos óleos da ética stalinista, enterraram a agricultura soviética, que até hoje patina no underground. E os que tentaram continuar sendo cientistas à antiga, bem cartesianos, foram mandados para a Sibéria, como o grande geneticista Vavilov.

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