terça-feira, 19 de maio de 2015

Cientistas reafirmam ausência de correlação entre aumento do uso de agrotóxicos e aumento do uso de transgênicos: ativista erra nas contas e resvala na ética

Sobre afirmações de Alan Tygel intituladas “Transgênicos: malefícios do mau uso dos dados e o diálogo mentiroso” publicadas em 11/05/2015 no JC
O Sr. Alan Tygel, na seção Opinião do Leitor teceu considerações que pretendem refutar afirmações que fizemos em artigo denominado “Transgênicos: benefícios e diálogo”. A uma certa altura xinga os autores daquele artigo de “mau caratismo”, uma prática comum nos últimos 13 anos, segundo a qual se costuma desqualificar o oponente acusando-o de qualquer coisa, desde que a acusação seja derrogatória. Essa prática imediatamente identifica a tribo à qual pertence quem fez o ataque. Mas não vamos discutir isso.
Nosso artigo quis mostrar que ao perceberem que atacar os transgênicos não funciona porque há 20 anos são consumidos sem evidência de danos ao ambiente ou seres vivos, os ativistas, para não perder a causa, passaram a repetir ad nauseam os dois termos “transgênicos e agrotóxicos” de forma a incutir na população uma percepção inconsciente de sinonímia. O Sr. Tygel afirma, em determinado ponto de sua peroração, que “transgênico é feito para ser resistente a agrotóxico”. Ora, isso é uma inverdade que apenas serve para enganar os incautos. Afirmamos, alto e bom som, que nem todos os transgênicos são feitos para ser resistentes a agrotóxicos. Há muitos que não são: podem ser resistentes a insetos, a vírus ou crescer mais rapidamente, para ficar apenas nos que a CTNBio aprovou.
É verdade que a soja transgênica foi construída para resistir ao agroquímico glifosato que – só para lembrar o leitor – mata todas as ervas daninhas que, assim, deixam de competir com a soja por nutrientes, solo e luz. É verdade também que o primeiro registro de plantação de soja transgênica marca 3 milhões de hectares em 2003 e 5 milhões em 2004. Portanto, nada demais considerar 4 milhões como ponto inicial de cálculo. Segundo as informações atuais (Informativo Céleres IC15.04 de 16/04/2015) a plantação de soja da safra 2014/2015 ocupa 31,4 milhões de hectares. Logo, a plantação de soja cresceu 7,8 vezes. Se considerarmos o número inicial como 5 milhões o crescimento terá sido de 6,3 vezes. É óbvio que aumentando a produção de soja aumenta o uso de glifosato. No entanto, assim que foi lançado, o glifosato tornou-se rapidamente o herbicida mais usado, muito antes do aparecimento da soja transgênica. No ano de 2000 o Brasil consumiu 40.000 toneladas de glifosato e a soja foi introduzida oficialmente em 2004. Nesse ano de 2004, o Brasil já consumia quase 80.000 toneladas desse agroquímico. O consumo atual gira em torno de 180.000 toneladas, isto é, um aumento de 2,25 vezes no período 2004 – 2014. Na verdade, sendo o Brasil um país tropical, o consumo de agroquímicos (nome mais adequado, pois, nem todos têm a mesma toxicidade) aumenta em proporção à atividade agrícola. Para evitar confusão com palavras repetimos um trecho de texto que se encontra emhttp://www.emater.go.gov.br/w/5839 : “Dos 851 milhões de hectares de nosso território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da Amazônia), 60 milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; sete milhões com lavouras permanentes, principalmente frutas e café; cinco milhões com silvicultura; e dois milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de hectares, ou apenas 19% de todo o território brasileiro.” A soma de tudo isso é 160 milhões de hectares. E por que usamos esse número? A razão é simples: é muito difícil separar, nos dados existentes, o que é pecuária e o que é agricultura. E agricultura não é só milho e soja, mas cereais em geral, leguminosas e oleaginosas.  E para a nossa finalidade não importa separar porque ambas as atividades usam agroquímicos (agrotóxicos): carrapaticidas, inseticidas, herbicidas de amplo espectro e outros. Portanto, o aumento de 200% no uso de agrotóxicos nos últimos 10 anos, isto é, 2 vezes, deve ser atribuído a toda atividade agrícola que, no período, também cresceu 200%. Se considerarmos que a área plantada com transgênicos – incluindo agora milho, algodão e a soja já comentada – é de 47,5 milhões de toneladas, não importa se consideramos o ponto inicial como 4 ou 5 porque teríamos um aumento respectivo de 11,8 e 9,5 vezes de área plantada com transgênicos o que, aproximadamente, é 1000% mais ou menos, mas sem dúvida muito mais do que o aumento do uso de agrotóxicos.
É evidente que o aumento da produção de soja transgênica nos últimos dez anos acompanhou a tendência crescente da atividade agrícola brasileira (aumento de 200%) no uso de agroquímicos (aumento de 200%). No entanto, não há correlação causal entre aumento do uso de agroquímicos e o aumento de área plantada com todos os transgênicos, já que esta cresceu significativamente mais.
Por fim, se quisermos exemplificar o que seja mau caratismo diríamos que é o ato de induzir a crença na população de uma mentira, isto é, que transgênicos e agrotóxicos são sinônimos. Uma mentira vira verdade se repetida muitas vezes, já dizia Goebbels.
Paulo Paes de Andrade, geneticista, UFPE
Francisco G. Nóbrega, microbiólogo, ex-ICB/USP
Zander Navarro, sociólogo, EMBRAPA
Flávio Finardi Filho, farmacêutico, FCF/USP
Walter Colli, bioquímico, IQ/USP

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