Car@s leitore(a)s do blog.
Vou começar pelo tema do método científico. Por enquanto só existe um método científico
(embora haja muitas metodologias). Se ele não for seguido, o resultado do trabalho
não será científico. Não há razão de temer este método, embora ao final se
possa ficar chateado com os resultados... Há um sem-fim de questões ecológicas e agronômicas que tem sido eficientemente tratadas pelo método científico. O que ocorre por
vezes é um choque entre o resultado do trabalho e a expectativa deste
resultado. Por exemplo, quando uma pesquisa bem conduzida mostra que os agricultores
familiares podem se beneficiar de um determinado produto transgênico, isso não
está de acordo com as expectativas dos grupos agroecológicos. De forma
semelhante, quando uma pesquisa aponta grande produtividade do milho crioulo em
determinadas condições de cultivo nas terras dobradas de Santa Catarina, o
pessoal do agronegócio se irrita. Mas se as pesquisas foram bem conduzidas, não
adianta se irritar, mas aceitar o resultado num determinado contexto. Pois
vejam, o que se passa tanto num caso como no outro é que o grupo que se sente “prejudicado”
baixa o pau no pesquisador, tentando
encontrar erros ou simplesmente desqualificando o grupo de pesquisa como
comprado por grupos econômicos ou por ativistas ambientais. Como se resolve
isso? Ou se evita o confronto – não aceitando a priori o método científico e a ciência em geral na nossa área
particular de interesse, ou se descartam os resultados que não agradam ou não
se encaixam no port-folio da filosofia pessoal, confiando sempre em outras
opiniões que seguem outros métodos. As
duas atitudes resolvem o impasse, mas não são sensatas.
Quero concluir esta primeira parte do post com um apelo: os aspectos biológicos dos transgênicos não
deveriam ser tratados com outro método que não o científico. Tentar evitar isso
é nocivo ao bem-estar do ambiente e das pessoas. Quando as conclusões
científicas são incorporadas aos outros aspectos sociais e econômicos, então
podem entrar várias outras formas de construção do saber, incluindo as
experiências individuais e coletivas, a tradição, a incorporação de
conhecimentos e práticas de outros países, etc. Se a gente separa bem isso, não
tem qualquer problema. O que deixa qualquer um perturbado é insistir em rezar
numa cartilha quando se fala de um outro assunto: biologistas moleculares
falando em percepções sociais dos transgênicos e economistas falando na
desregulação endócrina de herbicidas... há bem poucos de nós que têm trânsito
em áreas tão distintas. Como corolário, é bem pouco sensato tirar conclusões
científicas de observações de leigos, ainda que estes leigos sejam vítimas de uma
tecnologia qualquer. É igualmente insensato impingir a voz da ciência entre uma
população exposta aos ataques ou vantagens de novas tecnologias. Cada “comunidade”,
seja de cientistas, de pequenos produtores, de consumidores de produtos
orgânicos ou de capitães do agronegócio, tem seu próprio ritmo e sua maneira de
internalizar as informações provenientes dos demais setores. O exercício da
democracia está muito mais em entender e respeitar este tempo, este ritmo, do
que querer determinar qual das informações tem mais valor dentro de um pretenso quadro integrador
que espelharia o país que queremos ter.
Chegamos agora ao tema do “reducionismo” na política de biossegurança
do país. O país tem diferentes visões sobre os transgênicos, dependendo do
ministério envolvido, do político, etc. Naturalmente, a produção acaba tendo um
peso muito grande na política, e a prova disso é a forma como a discussão do Código
Florestal está sendo conduzida. Também
na biossegurança, entraves considerados desnecessários por uma boa parte dos
setores de Governo devem ser evitados. De forma “reducionista”, o CNBS provavelmente
considera que a avaliação de risco dos transgênicos (que é apenas sobre os
aspectos biológicos) é suficiente para garantir a segurança do produto no país
e que os aspectos sociais e econômicos devem ficar ao sabor das regras do
mercado. A prova disso é que até agora ele não se reuniu espontaneamente para
considerar estes aspectos em alguma liberação particular da CTNBio. Mas se isso
é “reducionismo” ou pragmatismo, não sei.
Quero finalizar com alguns comentários sobre os agrotóxicos.
Este é um assunto tratado costumeiramente com muito mais paixão do que com
conhecimento. Entretanto, é um assunto basicamente técnico e que exige muito
conhecimento nas áreas de agronomia, de biologia e de saúde, pelo menos.
Infelizmente, um monte de informação que circula pela internet, inclusive as citadas
no comentário anterior, está tão afastada do conhecimento técnico e científico
quanto se possa imaginar, embora tragam outras visões do problema que podem ser
úteis em alguns fóruns.
Todos sabem que se usa agrotóxicos (inseticidas e outros
praguicidas, herbicidas, etc) há muito tempo. Não foram os transgênicos que
trouxeram isso para mercado, nem de fato aceleraram seu uso. O que acontece é
que a agricultura brasileira ganhou um enorme impulso na última década e com
isso o consumo destes produtos também subiu muito. Então, o primeiro ponto é:
não há nenhuma razão de acreditar que os plantios transgênicos exigem mais uso
de agrotóxicos do que os convencionais. Assim, se o Brasil tivesse decidido
banir os transgênicos da agricultura, provavelmente estaria consumindo hoje mais ou menos a
mesma quantidade de agrotóxicos, desde que o aumento de produção fosse o mesmo.
Claro que certos herbicidas ganharam mais uso (aqueles para os quais as plantas
GM são tolerantes), mas em compensação diminuiu o uso de outros muito mais
perigosos (sim, o glifosato está longe de ser perigoso como muitos outros
bastante empregados na agricultura). Diminuiu também grandemente o uso de
certos inseticidas, que se tornaram desnecessários nas plantações resistentes a
insetos. Para ter ideia disso é só ver o
balanço do uso de agrotóxicos no Brasil feito pelo MAPA.
Agora, destes agrotóxicos, o que chega à mesa do consumidor?
Pois bem a ANVISA fez uma pesquisa e descobriu que os produtos que têm algum
agrotóxico acima do limite são sempre legumes, verduras ou frutas e 85% proveem
da agricultura familiar ou de pequenos agricultores. Não se achou nada em milho, soja ou algodão,
que são os únicos vegetais GM do Brasil. Ora, se os agrotóxicos estão nos
legumes, verduras e frutas é porque os agricultores aplicaram estes produtos
nas suas plantações. Isso foi investigado, e de fato é assim: sem isso fica
difícil lutar contra as invasoras, os fungos, as bacterioses, os grilos e
outros predadores, enfim, tudo que diminui ou destrói a produção do agricultor.
Então devemos concluir que, se o
agrotóxico chega à mesa do consumidor, deve ser causa de intoxicação alimentar. Será mesmo? Bom, vamos aos dados do Ministério da Saúde: são menos de 30 casos notificados
por ano ao longo de muitos anos. Intoxicações com agrotóxicos existem, perto de
3000/ ano, sendo 30% devido a tentativas de suicídio (com inseticidas e outros
praguicidas, em geral), as outras são ocupacionais ou por acidentes, mas
alimentares, francamente, quase não há. E as que foram notificadas, provieram
de que alimento? Não há qualquer levantamento. Portanto, acusar os
transgênicos, o glifosato ou outro herbicida qualquer é inteiramente sem base
estatística. Sugiro uma leitura muito atenta ao texto http://genpeace.blogspot.com.br/2012/02/agrotoxicos-e-transgenicos-no-brasil.html,
como aperitivo a um aprofundamento na questão dos defensivos agrícolas.
Na Argentina houve um tempo em que as plantações de soja
literalmente mergulharam as pequenas comunidades no seu interior. A aspersão de
herbicidas e outros produtos pode ter causado problemas de saúde, sim. Isso
pode ter ocorrido também na Índia e talvez em outros países, mas no Brasil é
terminantemente proibida a aspersão de muitos
agrotóxicos nas proximidades de casas. Isso é fiscalizado, pode ter certeza,
nós não somos um país sem leis. Agora, se a causa de um aumento (contestado
pelas autoridades sanitárias da Argentina) de casos de malformações foi o
glifosato, de todos os agrotóxicos um dos menos tóxicos, aí é pura especulação.
Numa plantação de soja dezenas de aspersões de diferentes produtos são
realizadas antes, durante e depois do plantio. Quais delas podem ter causado o
problema, se ele de fato existe?
Estes são apenas alguns dos pontos sobre agrotóxicos,
intoxicação e malformações que estão na mídia. Antes de se acreditar no que “rola
na internet”, convém estudar a toxicologia dos agrotóxicos, a forma como são
aplicados na lavoura, como se degradam e reciclam na natureza e como poderiam
chegar à mesa do consumidor. Mas isso demanda tempo, o que pouca gente tem ou
quer dispor para entrar na discussão de forma coerente. É muito mais fácil
repetir o que se ouve ou lê, acreditando naquilo que está de acordo com sua filosofia
particular. É mais fácil, mas ao longo do tempo traz decepções e desconforto.